Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
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Diariamente eles assistem a situações típicas de histórias em quadrinhos: tiroteios, perseguições e fugas espetaculares. Ao contrário dos gibis, porém, é raro um super-herói aparecer para resolver o problema e tudo acabar num final feliz. Mas se as revistas não retratam a realidade, crianças e jovens de baixa renda da zona norte carioca traçam seus quadros e criam roteiros e personagens onde ela está sempre presente. É o que acontece nas oficinas de quadrinhos do Centro de Estudos de Comunicação Infantil do Instituto Primeiros Traços.
São 35 alunos que, há apenas três meses, têm aulas semanais no espaço cedido por uma escola pública localizada no bairro de Maria da Graça. Durante as três horas em que são acompanhados pelo professor Alex Rodrigues, os meninos e meninas aprendem a melhorar seu desenho, criar roteiros para histórias em quadrinhos, colorir e elaborar personagens. Além disso, conhecem técnicas de linguagem de gibis e de composição de cenários. Ou seja, conhecem todas as etapas de elaboração de uma tira ou mesmo de uma revista inteira.
O domínio das técnicas varia de acordo com a idade e o talento de cada participante. Os cursos duram um ano. Rodrigues, que também é presidente do Instituto Primeiros Traços, conta que até os 11 anos a criança ainda está desenvolvendo seu traço, seu estilo de desenhar. Já por volta dos 13, apesar do pouco tempo, o amadurecimento é sentido nos desenhos, já com menos personagens infantis e composições mais complexas. Mas só a partir dos 15 anos é possível ver o resultado de anos de aulas. Nessa idade eles já dominam o lápis e as cores dos desenhos, faltando apenas maturidade intelectual. Para complementar o aprendizado, há também aulas de informática. “Meu objetivo é formar talentos para o mercado, além dar noções de cidadania a eles”, afirma Rodrigues.
Mas não é só de aulas que vivem os alunos. A grande maioria não tem condições financeiras de comprar revistas para ler, apesar de gostarem muito. A solução foi montar uma gibiteca com dezenas de tipos de quadrinhos – de Turma da Mônica a mangás (histórias japonesas), passando pelos clássicos heróis Super-Homem, Homem-Aranha e Batman.
A preferência varia de acordo com a idade. Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali são os ídolos dos menores. É o caso de Marian Costa, 13 anos, moradora de Maria da Graça e há pouco mais de um mês tendo aulas. “Adoro o Chico Bento”, diz ela, que gosta de desenhar cartuns [quadrinhos de humor].
Os personagens nacionais são deixados de lado à medida que os alunos crescem, para serem substituídos pelos heróis norte-americanos e orientais, de desenhos mais elaborados. As revistas podem ser retiradas e levadas para casa gratuitamente, desde que sejam devolvidas. Aliás, quem não devolve e quem comete erros de português nas aulas de redação recebe um castigo – se é que se pode chamar assim: são obrigados a ir à biblioteca e ler quadrinhos, atitude que levam adiante com muito gosto, por sinal.
Fala Criança
Parte da produção é publicada no jornal Fala Criança, editado pelo Instituto e parte da oficina de quadrinhos. Bimestral, a publicação já entrevistou os quadrinistas Maurício de Souza, criador da turma da Mônica, e Ziraldo, pai do Menino Maluquinho. O trabalho foi feito pelos participantes das oficinas. O resto do jornal é preenchido com relatos dos meninos e meninas sobre a realidade em que vivem. “Fiz um texto sobre preconceito”, lembra Marian.
“Muitos direitos são violados, é muita violência junta”, diz Rodrigues, que também dá aulas pagas de quadrinhos em outro bairro carioca, a Tijuca, habitado principalmente pela classe média. Lá procura formar monitores voluntários, além de tirar recursos para manter o Primeiros Traços.
Origem
A origem do instituto é antiga. Desde 1990 Alex Rodrigues, que também é publicitário, dá aulas de quadrinhos, uma de suas paixões. No começo, seus alunos eram garotos de classe média, matriculados nessa atividade extracurricular. Aos poucos foi abrindo espaço para moradores de favelas próximas, mas a convivência não agradou muito aos pais. “Nas aulas, todo mundo é criança e se dá bem. Mas quando adulto interfere, surgem vários problemas”, lembra.
Parou com as aulas no colégio, mas continuou a ensinar técnicas de desenhos onde era possível. Chegou mesmo a dar aulas em refeitórios de instituições municipais. Manteve as aulas que hoje considera “experimentais” até 95. Nos anos seguintes, passou a estudar organizações do terceiro setor e em 99 volta a dar aulas e prepara o estatuto do que, em 2003, viria a ser o Primeiros Traços. Ter achado um lugar fixo para dar aulas vai ajudar bastante no desenvolvimento do projeto, pois durante anos foi obrigado a se mudar e os equipamentos que ganhava ficavam nas instituições que o abrigavam durante breves períodos.
Seu desejo, agora, é expandir as atividades de sua organização com o trabalho dos monitores que forma em seus cursos e chegar a outras comunidades de baixa renda. Confiante no potencial de seus pequenos desenhistas, ele sonha em levar o projeto para a TV e teatro, onde os alunos poderiam trabalhar como diretores de arte, por exemplo. Poderia também realizar o sonho de Marian, que, apesar de seus 13 anos, diz com convicção que vai estudar artes cênicas.
Para participar do projeto, que possui capacidade para ensinar entre 50 e 60 alunos, é preciso ter baixa renda e um pouco de talento para passar no teste de aptidão. Mas o principal é mesmo que a vontade de aprender seja semelhante à que os heróis dos quadrinhos demonstram para levar adiante suas aventuras.
O Instituto Primeiros Traços funciona no Cefet de Maria da Graça, na zona norte carioca. Os alunos são divididos em duas faixas etárias: de 9 a 13 anos e de 14 a 16. Os mais novos têm aula toda terça-feira, pela manhã (das 9h às 12h) ou à tarde (das 14h às 17h). Os demais, às quintas-feiras, nos mesmos horários. Os interessados serão submetidos a um teste de desenho livre. Além de passar na prova, é preciso comprovar a baixa renda e a matrícula em alguma escola da rede pública. Os candidatos devem levar duas fotos 3x4, cópia da certidão de nascimento e comprovante de residência. O curso é gratuito. As matrículas devem ser feitas no Cefet, que fica na rua Miguel Ângelo, 96. Mais informações pelo telefone (21) 2581-9113.
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