Autor original: Marcelo Medeiros
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Depois de 20 anos treinando e estudando nos EUA, o meio-fundista Zequinha Barbosa voltou ao Brasil com uma idéia na cabeça: fundar um instituto que beneficiasse crianças pobres de Mato Grosso do Sul, seu estado natal. E foi o que ele fez. Serão 120 crianças beneficiadas com aulas e atividades esportivas a partir de julho. O Instituto Zequinha Barbosa – Correndo pela Vida é financiado pelo Unicef, Fundação Kellogg e Ministério dos Esportes, mas continua à procura de patrocinadores para manter a instituição. “Essa é a parte mais difícil”, diz o medalhista, “as pessoas pensam que continuo lá fora”.
Esse trabalho o trouxe ao Rio na última semana, quando visitou a Rits e concedeu esta entrevista. Zequinha nos fala de sua experiência como empreendedor social, administrador de ONG e dos ensinamentos recebidos ao longo da vida, em uma conversa emocionante.
Rets: O que traz você ao Rio?
Zequinha Barbosa: Eu vim aqui para a inauguração da clínica do Filé [o fisioterapeuta Nilton Petrone], que faz um trabalho de alto rendimento. Foi ótimo, também porque eu pude conversar com o Ronaldinho sobre o Instituto Correndo pela Vida. Sempre existiu uma preocupação tanto minha quanto do Ronaldinho de ajudar entidades carentes. Tanto que ele vai dividir o prêmio [pela conquista da Copa do Mundo] – parece que vai repartir entre o Hospital do Câncer, Fundação Gol de Letra e mais uma entidade ainda não escolhida. Vou expor a ele, como exponho para qualquer pessoa, o trabalho que eu faço.
Rets: Quais foram os motivos de sua volta para o Brasil?
Zequinha Barbosa: Depois que deixei de fazer esporte, tinha a opção de ficar nos EUA, sou formado em jornalismo e marketing. Mas acho que voltar para o Brasil é uma forma de agradecer a Deus por tudo que Ele me deu. Escolhi algo que me desse motivação: a ação social. Resolvi voltar pois nosso país precisa de muita gente que faça esse trabalho. A gente tem que tentar combater a violência de alguma forma para poder viver tranqüilamente, com menos medo. Hoje, você não sabe onde pode andar porque pode ser assaltado a qualquer hora.
Eu estou tentando mobilizar uma série de pessoas em relação ao esporte e todas toparam. Todo mundo acha que pra fazer ação social tem que dar dinheiro. Não, é questão de dar carinho, dar atenção, mobilizar um grupo de pessoas – não só financeiramente - e estar consciente de que a violência está nos cercando cada vez mais. Através da ação social, de um gesto de ajuda, de amor ao próximo você pode afastar isso. Então estou tentando chamar mais voluntários para a área.
Rets: Até que ponto o prestígio de atleta facilita para levar o projeto adiante?
Zequinha Barbosa: Facilita pela credibilidade. O nosso país sofre com a falta de credibilidade. E eu quero usar a credibilidade que conquistei no esporte para oferecer uma oportunidade às crianças. A diferença entre uma criança de sete anos que está na droga e um Lalau, uma Jorgina é a seguinte: os três cometeram um crime. A diferença é que o Lalau e a Jorgina tiveram a oportunidade de dizer sim ou não, escolher o certo e o errado. Agora, a criança nunca teve essa oportunidade. Vou dar um exemplo. No projeto, perguntei a uma criança qual era o maior sonho dela. Ela respondeu que era comer um Big Mac. Então se alguém disser para o menino que a droga é o caminho de conseguir um Big Mac, é única coisa que ele vai ver. Esse garoto nunca foi ao shopping, nunca foi à universidade. Vive numa região pobre, com 14 mil famílias. Eles conhecem a região, mas não vislumbram que podem sair dali, não têm horizonte, não pegam um ônibus. Se o sonho do garoto é comer um Big Mac, então imagina onde é o limite do horizonte dele. Então se ninguém chegar ali e der oportunidade a esse garoto e chegar um outro ligado a um tráfico e oferecer um Big Mac...
Rets: E como está o projeto?
Zequinha Barbosa: O projeto vai começar mesmo em julho, pois houve atrasos. Infelizmente, por questão das normas que operam a universidade [que cedeu espaço para o projeto] há um método de trabalho que nos levou ao atraso. Faltavam também definições de alguns patrocinadores como a Fundação Kellogg. É um processo de remar contra a maré, pois as grandes empresas começam a planejar 2003 agora e estou começando a fazer o projeto em 2002. Criamos um mecanismo para os possíveis apoiadores avaliarem o projeto já pro ano que vem. Eles querem receber o projeto agora e inserir no orçamento de 2003. Então até essa flexibilidade a gente teve que ter e imagina só: a gente não tem experiência para isso.
Rets: Daí vem a pergunta: você está encontrando facilidade para conseguir apoio junto à iniciativa privada?
Zequinha Barbosa: Existe um grande interesse das empresas, mas o grande problema é o retorno de marketing. No atletismo fiz muita coisa, mas esse é um esporte muito carente em relação aos outros. Ele não é vendável como é o futebol. O cara bota um anúncio da Rits na camisa do futebol, dá uma hora e meia de exposição. No atletismo, o cara corre dez segundos e ninguém vai lembrar o que estava escrito no peito dele. Não dá um retorno de mídia espontâneo. É algo engraçado, se o cara se for devagar ninguém vai querer patrocinar, for muito rápido vai reclamar: “eu não vi!”.
Os empresários sabem que têm que fazer um projeto social, mas perguntam qual será o retorno. E neste ano de eleição, ficam todos em cima do muro. Eles querem, mas dependem desse processo. Estão com o pé no freio, mas não descartam a possibilidade. E ainda tem as variações do dólar. As coisas no Brasil não estão fáceis. Quando a gente mostra o retorno de marketing que o projeto pode proporcionar, surge um interesse e eles mandam esperar. Acho que a partir do momento que eu me tornar atleta embaixador olímpico, as coisas vão melhorar um pouco.
Rets: Fale um pouco dessa experiência.
Zequinha Barbosa: O Olympic Aid é uma organização que surgiu na Olimpíada de Inverno de 1994 e ajuda crianças refugiadas de guerra e em risco social em todo o mundo. É um programa bonito, que envolve vários atletas. Vou ser o segundo atleta ligado às Nações Unidas no Brasil, pois o Ronaldo já é ligado à ONU. O Olympic Aid levantou 18 milhões de dólares na ocasião de seu lançamento.
O programa Coach to Coach visa levar o esporte às crianças que estão em situação de vulnerabilidade social. O objetivo é desenvolver a comunidade para a criança também poder se desenvolver. O primeiro programa da Olympic Aid na América do Sul vai ser comigo. Eles desenvolvem dentro da comunidade pessoas que vão ensinar, gerenciar e ser treinadores, tudo com base na ação social e inserido no programa Five Rings, onde cada argola representa um aspecto.
A cada seis meses teremos um novo voluntário em Campo Grande, para não criar vícios, durante três anos. Eles também mantêm a infra-estrutura. Estou indo agora a Toronto para ser apresentado junto com Mohamed Ali, André Agassi e Nadia Comanecci. O COI ficou feliz, pois não tem nada sendo feito na América do Sul. Hoje eles estão mais na África e na Ásia e vão começar comigo na América Latina. Para mim é importante o know-how, pois o Comitê Olímpico é a única entidade do mundo que tem como missão unir todas a nações em prol da paz, por meio do esporte.
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