Autor original: Fausto Rêgo
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Em artigo publicado há quatro anos no boletim Óculum, editado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Campinas, os urbanistas espanhóis Affonso Orciuoli e Aline Bittencourt expuseram algumas idéias sobre como deveria ser uma cidade sustentável. O link para o artigo (cuja fluência é um pouco prejudicada, aparentemente, por problemas na tradução) está ao lado, mas as citações inseridas ao longo do texto desta reportagem nos fazem ver, com propriedade, como as cidades devem crescer: de forma harmoniosa, integrando as edificações, o meio ambiente, o ser humano e suas necessidades.
Carta de Brasília
O desenvolvimento sustentável só é possível se o consumo dos recursos e o crescimento da população estão de acordo com as possibilidades de produção do ecossistema.
Em novembro, a 3ª Conferência das Cidades, em Brasília, traçou um panorama preocupante da realidade brasileira. De acordo com as estatísticas apresentadas no evento, 33% da população nacional está concentrada em apenas 12 regiões metropolitanas. O contraponto é que 75% dos municípios do país têm população inferior a 20 mil habitantes. Somem-se a isso as projeções do déficit habitacional apresentadas pelo Brasil na Conferência da ONU sobre Assentamentos Urbanos, realizada no ano passado, que indicam uma carência de 5,6 milhões de moradias para atender aproximadamente 28 milhões de pessoas. Se considerarmos as habitações inadequadas – sem infra-estrutura básica –, temos um déficit de 13 milhões de unidades. Para arrematar, 10% da nossa população urbana não dispõe de redes de água potável e o saneamento básico ainda é um sonho para cerca de 40%.
O documento produzido ao final da conferência ficou conhecido como Carta de Brasília e apresenta uma série de medidas consideradas prioritárias para resolver o problema da moradia digna para todos. Entre elas figuram a implementação dos instrumentos regulados pelo Estatuto da Cidade; a elaboração e prática de planos diretores nos moldes previstos pelo Estatuto, com ampla participação da sociedade; a adoção efetiva de uma Política Nacional de Habitação Popular; a criação de conselhos de desenvolvimento urbano nos âmbitos federal, estadual e municipal; e a garantia de que o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano seja composto por 50% de representantes de entidades populares, 25% de representantes do poder público e 25% de representantes dos demais setores da sociedade.
Para Nélson Saule Júnior, diretor do Instituto Polis, a Carta de Brasília destaca a importância de que estejam previstos no orçamento público recursos para habitações populares em programas, dada a dificuldade que enfrenta a população para obter financiamento para a construção de moradias. “A principal proposta defendida é a da criação do Fundo Nacional de Moradia Popular, prevista no Projeto de Lei nº 2.710, que há dez anos tramita no Congresso Nacional. O projeto já está em condições de ser votado, o que esperamos que aconteça neste ano”, diz ele. Esse fundo seria composto por recursos provenientes do Orçamento Geral da União, do FGTS e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e ofereceria a perspectiva de desenvolvimento de projetos habitacionais nos estados e municípios. Para geri-lo seria formado um conselho com representantes do poder público, do setor privado e de organizações e movimentos sociais.
As reivindicações expressas na Carta de Brasília serão ampliadas no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, durante o Encontro Mundial sobre o Direito à Cidade. “Será a oportunidade para trocarmos idéias sobre os problemas da relação entre moradia, degradação e desenvolvimento sustentável e conhecermos experiências de vários países”, explica Nélson. “Queremos ter um conjunto de diretrizes que aponte caminhos a serem traçados globalmente e que possam ser aplicados localmente”.
Periferização
O principal objetivo de uma planificação urbana sustentável seria diminuir significativamente os quilômetros percorridos a cada dia pelos indivíduos (...), criando vias que tornem possível o intercâmbio de bens e informações e, ao mesmo tempo, favorecendo as particularidades de cada região.
Outra importante constatação Conferência das Cidades foi a da periferização cada vez maior dos centros urbanos dos municípios de médio e grande portes, o que favorece a ocupação informal do solo e a proliferação de assentamentos irregulares, além de provocar degradação ambiental. Nélson Saule Júnior atribui esse fenômeno à falta de planejamento urbano. “A população de baixa renda não tem de morar em regiões distantes dos grandes centros urbanos. É preciso criar padrões habitacionais acessíveis a essa população, e não fechá-las em áreas restritas”. Para Nélson, é preciso reverter a lógica urbana de apropriação do solo, o que significa mexer com a função social da propriedade – conforme determina o Estatuto da Cidade. “O problema é estabelecer uma política urbana que permita controle eficaz do uso do solo e incorporar a população a esse controle. Se isso for democratizado, pode melhorar as condições ambientais. Do contrário, vai haver cada vez mais a ocupação desordenada, gerando degradação”.
Qualidade de vida
Por desenvolvimento sustentável entende-se a escolha de políticas que equilibrem a preservação do meio ambiente com um desenvolvimento econômico que satisfaça as necessidades das gerações atuais, sem comprometer as necessidades das gerações futuras.
“As grandes cidades têm um nível de concentração insustentável. Não basta um novo referencial de investimento em habitação, é preciso repensar a organização das cidades de forma a adotar um novo tipo de relação, com novas formas de trabalho, porque as grandes cidades, os grandes centros, estão praticamente falidas”. Quem afirma é Ana Maria Batista, secretária-executiva do Fórum da Agenda 21 Local do Rio de Janeiro e uma das coordenadoras da participação das organizações de mulheres na Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, que será realizada em setembro, em Joanesburgo, na África do Sul. “Uma cidade sustentável deve ter um mínimo de qualidade de vida”, diz ela, “e isso significa a preocupação com o ar que se respira, com formas diferenciadas de transporte, com o lazer... é preciso ter investimento na conservação das praias, das águas, dos rios, de tudo que permita o lazer gratuito. Tem ainda o problema da violência, que afeta o direito de ir e vir. São questões que qualificam uma cidade sustentável. A cidadania é a restauração do espaço público. São os vários segmentos da sociedade se articulando. As pessoas começam a ter uma outra visão do que é a cidade”. Ana Maria entende como fundamental o envolvimento das comunidades na discussão das políticas públicas habitacionais. “Na minha opinião, a discussão do espaço urbano passa necessariamente pelas pessoas”.
Existem alguns conceitos genéricos sobre os elementos estruturais necessários a uma cidade sustentável, como saneamento básico, controle ambiental, lazer e transporte coletivo eficaz, entre outros, mas, para Nélson Saule Júnior, é impossível determinar um modelo pronto e acabado. “Vai depender da realidade de cada cidade. É preciso identificar coletivamente os problemas e as prioridades de cada região”. Nélson reafirma a necessidade de uma participação popular efetiva nas decisões. “Essa participação vai impedir que apenas um setor seja beneficiado: a elite. Tudo depende da integração dos diversos setores da sociedade. É preciso trabalhar com o conflito, e não negar sua existência”.
A síntese do debate sobre habitação e espaços urbanos dignos para todos pode ser feita nas palavras dos dois urbanistas espanhóis citados no início desta reportagem: “O desenvolvimento sustentável perde todo o sentido se não for aliado à igualdade e à justiça social”.
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