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Microcrédito: investindo em desenvolvimento

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets






Bangladesh, um dos países mais pobres do mundo, foi o berço do microcrédito. A iniciativa de conceder pequenos empréstimos para impulsionar empreendimentos de pessoas de baixa renda foi tomada pelo professor de economia Muhammad Yunus e por alguns colegas, em 1976. Yunus percebia que as teorias econômicas que lecionava pouco adiantavam para impedir que a população pobre continuasse cada vez mais pobre. Um dia, decidiu fazer uma lista de pessoas que precisavam de 27 dólares para investir em alguma coisa que as ajudasse a sair da situação de miséria em que se encontravam. A relação chegou a 42 pessoas, às quais Yunes deu dinheiro do próprio bolso. Uma delas era uma mulher que precisava comprar uma máquina de costura. Em pouco tempo, ela não apenas conseguiu melhorar sua vida como pagou a dívida na primeira oportunidade. Yunus, então, procurou o apoio das instituições financeiras para sua idéia: oferecer crédito à população carente. Não teve sucesso. Os bancos consideravam demasiadamente arriscado conceder empréstimos sem garantias e acreditavam que os pobres seriam maus pagadores. A solução foi tomar o empréstimo em seu próprio nome e distribuir o dinheiro aos pobres. Deu certo. As pessoas tocavam adiante seus projetos e, aos poucos, iam pagando a dívida. Ainda assim, os bancos continuaram demonstrando desinteresse. Foi então que Yunes decidiu construir o seu próprio banco.

Mais de 20 anos após sua fundação, em 1978, o Grameen Bank já atendeu cerca de 2,5 milhões de pessoas e foi o estopim de uma série de projetos similares em todo o mundo. O microcrédito tem se mostrado, ao longo dos anos, uma bem-sucedida alternativa de geração de empregos e desenvolvimento comunitário, capaz de formar um círculo de solidariedade e prosperidade. Ou círculo virtuoso, como prefere João Joaquim de Melo Neto, coordenador do Banco Palmas, uma das mais interessantes iniciativas de microcrédito realizadas no país. Criado em 1998, o Banco Palmas atende, atualmente, 1.020 clientes – entre pessoas físicas e grupos – do Conjunto Palmeiras, na periferia de Fortaleza, no Ceará. A instituição se transformou, em pouco tempo, em um núcleo de fomento ao desenvolvimento local, sendo diretamente responsável pela redução da miséria, pela geração de novos empregos e pelo aquecimento da economia na comunidade. O banco oferece quatro modalidades de crédito: para a profissão (voltado para pequenos negócios), para o consumo (financiamento para compra), o Palma Casa (para pequenas reformas em moradias) e o crédito para mulheres em situação de risco.

No campo de crédito para consumo, o Banco Palmas utiliza um cartão de crédito próprio, aceito exclusivamente pelo comércio local. “Assim os produtores têm o dinheiro revertido para o pagamento do próprio financiamento. É o que chamamos de círculo virtuoso”, diz Joaquim.

Em Palmeiras existe ainda uma moeda própria, chamada de palmares, que é empregada nas reuniões quinzenais do Clube de Troca. “As pessoas se reúnem para trocar suas mercadorias”, diz Joaquim. Eles mesmos determinam o valor de cada peça. “No começo”, lembra o coordenador, “as pessoas tendiam a indexar a moeda ao real, mas depois foram se acostumando”. A moeda não circula fora dessas reuniões. Ao final do evento, os palmares e palmirinhos (equivalentes aos centavos) restantes são recolhidos.

O Conjunto Palmeiras é, na verdade, resultado de uma grande ocupação de terras. A comunidade morava, inicialmente, na beira-mar, mas teve de abandonar a região por causa da expansão imobiliária. Quando chegaram, o local era um grande pântano. Ao longo dos anos, em regime de mutirão, foram construindo o bairro. “Esse espírito de grupo foi responsável pela criação do banco, que hoje é administrado pela Associação de Moradores”, conta Joaquim. O Banco Palmas já ajudou a criar empresas como a Palma Fashion (comércio de vestuário) e a Palmalimp (de material de limpeza), entre outras. “A idéia”, diz o coordenador, “é formar uma rede em que cada empresa, com seu excedente, possa abrir outra empresa, de modo que a comunidade dependa o menos possível do mercado externo”. Recentemente, foi inaugurado o Laboratório de Agricultura Urbana, onde os moradores aprendem a fazer hortas e pomares e a criar peixes. O objetivo é manter um cultivo suficiente para subsistência e venda.

Contrariando a lógica do crédito, a maioria dos clientes do Banco Palmas tem o ‘nome sujo”, ou seja, estão incluídos no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). Joaquim Neto estima que esse percentual chegue a 90%. E não se preocupa. “Não é problema. É sinal de que essas pessoas um dia ‘foram gente’, tiveram uma dívida. Nosso cliente é de alto risco mesmo. No nosso sistema, quem dá o aval são os vizinhos. A cobrança é comunitária, um fiscaliza o outro. Agora, se o sujeito não paga porque não quer, por má vontade, o nome dele é divulgado na rádio comunitária, nas reuniões da associação”. O dia-a-dia vem provando a viabilidade desse sistema. “É a economia a serviço da sociedade, não é a sociedade controlada pela economia”, arremata.

O agente

No Rio de Janeiro, o pioneirismo em microcrédito é do Viva Cred, surgido em 1996, a partir da iniciativa do Viva Rio, que conseguiu o apoio inicial do Banco Interamericano de Desenvolvimento para a primeira fase do projeto – hoje o Viva Cred recebe também o apoio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). A instituição atua no ramo de crédito para negócios, principalmente voltada para o mercado informal, oferecendo pequenos empréstimos de até R$ 5 mil. A atuação se concentrou, inicialmente, nas favelas cariocas, privilegiando aquelas com forte atividade econômica. A Rocinha foi a primeira comunidade atendida, seguida pela de Rio das Pedras. Atualmente, são quatro as agências do Viva Cred no município – completam a lista a de Copacabana e a da Favela da Maré. As condições para obtenção de crédito são: ter um negócio funcionando há pelo menos um ano, não ter débito no SPC e investir no próprio negócio o valor obtido. Para Teófilo Cavalcanti, superintendente do Viva Cred, o microcrédito é “um mecanismo que procura dar mais oportunidades”. Além disso, a própria relação entre instituição e cliente se dá em moldes bem menos impessoais. “A gente tem um contato mais próximo desde o início. Há uma relação mais pessoal. Quando o cliente atrasa o pagamento, imediatamente um funcionário entra em contato para saber o que aconteceu”, explica.

Nesse relacionamento, uma figura de extrema importância é o agente de crédito. É ele quem visita o cliente, atua como intermediário e faz a constatação de que o negócio informal de fato existe. “É por isso que esse cliente pode ser bem atendido. Nós o vemos como alguém que tem uma atividade econômica e é empreendedor”, argumenta Almir Pereira, gerente executivo do Banco do Povo, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) de Santo André, uma das cidades do ABC paulista. Desde sua fundação, em maio de 1998, mais de 1.500 clientes foram atendidos. A estimativa atual é de que a carteira ativa (capital na mão dos clientes) chegue a R$ 650 mil. “Nosso foco é microcrédito para combater a exclusão social”, afirma Almir. Como garantias, o Banco do Povo aceita bens, avalistas ou o chamado aval solidário, quando mais duas ou mais pessoas se juntam e uma fica sendo avalista da outra. “A gente não tem como alvo créditos que dêem lucro. Trabalhamos com faixas de crédito pequenas, atendendo clientes sem registro em emprego e sem conta bancária”, diz ele. A taxa de inadimplência, segundo Almir, há um ano permanece inferior a 3%, atestada por auditoria independente e pelo BNDES.

O Banco do Povo ainda busca tornar-se auto-sustentável, mas não a qualquer preço. “Não se pode recusar cliente que não dê retorno esperado. Não inibimos a entrada dos pequenos de forma alguma”, garante Almir, que faz uma analogia com os descamisados para citar uma nova categoria: a dos “desbancarizados”. “Eles são muitos”, afirma, “e o microcrédito é um mecanismo de inclusão social”.

Almir revela que o Banco do Povo, diante dos bons resultados, caminha a passos firmes para ampliar sua atuação. E acha que tem crédito para, em breve, atuar em toda a região do ABC. “Será a realização de um sonho de quem está neste projeto desde o início”.

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