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Relatório sobre cidadãos

Autor original: Felipe Frisch

Seção original: Novidades do Terceiro Setor

O que será que os jovens querem? É uma perguntinha difícil para os “adultos” responderem, mas, se feita pelos próprios aos seus iguais, as respostas são as mais diversas – e claras: eles querem fazer valer seus direitos. O curioso é que raras vezes eles sabem que o que querem está previsto na Constituição Federal. E mais: faz parte da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Assim acontece com a segurança, o emprego, a cultura (incluído aí o lazer) e a educação.

Cada um desses temas foi escolhido, respectivamente, por jovens entre 16 e 24 anos do Jardim Ângela, do Jardim Jacira, do Jardim Comercial e de Heliópolis, zona sul de São Paulo, para fazerem parte do recém-divulgado Relatório da Cidadania. Combinado com o jornalzinho comunitário Lupa, de 16 páginas e também recém-lançado, os dados publicados em ambos vão cumprir a dupla função de levar dessas comunidades suas demandas para o poder público (papel do Relatório) e fazê-las entender seus direitos à luz do que já está previsto em leis que não são apenas nacionais (função do jornalzinho).

– A gente percebeu que a grande dificuldade dessas populações era a interlocução com o poder público. As políticas públicas não olham pelos olhos das comunidades – relata Luciana Guimarães, diretora de Projetos do instituto, que desde 1997 tem o objetivo de “construir a paz no meio social”.

O Relatório e o Lupa são resultados do projeto Observatório de Direitos Humanos, coordenado pelo Instituto Sou da Paz e pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV), junto com as associações comunitárias Barracões Culturais do Jardim Jacira, Chico Mendes (da associação de moradores do Condomínio Chico Mendes, de Campo Limpo), Unas (União de Núcleos e Associações de Heliópolis) e Arco (grupo que trabalha na região da represa de Guarapiranga). De cada uma delas, quatro jovens saíram para entrevistar cerca de cem da sua mesma faixa etária no próprio bairro.

Cada um dos jovens recebeu uma bolsa, com valor estabelecido pela associação a que estava ligado, cedida pelas organizações coordenadoras. O primeiro dado identificado por eles foi que o número de pessoas que já ouviram falar em direitos humanos é quase zero e que a Constituição Federal é outra desconhecida. Ou seja, a classe média perpetua o jargão de que “direitos humanos são para proteger bandido”, mas a população mais pobre não acredita nem nisso.

O Lupa (que tem “uma lente de aumento da cidadania” como lema) já foi distribuído nas comunidades – 3 mil exemplares no total. Uma das seções que merecem destaque é a Busca de Solução, que lista os principais serviços de apoio e de atendimento a vítimas de violência, além de cursos profissionalizantes. O relatório foi apresentado no último dia 5 à Comissão de Juventude da Câmara dos Vereadores de São Paulo e, em breve, será entregue à ONU como instrumento para elaboração de políticas públicas e para os órgãos internacionais terem a chance de conhecer a visão que os moradores desses locais têm de si.

A falta de diálogo vigente, conta Luciana, é responsável por decisões públicas equivocadas. “Existe o senso comum, no poder público, de que construir quadra [de esportes] diminui a violência, mas, se a comunidade não participar da decisão, vira até local de desova e venda drogas”, exemplifica. Outros dados que o Relatório traz já são um pouco mais conhecidos – não só por quem vive nessas localidades – e incluem a “absoluta desidentificação com a polícia” e uma crítica:

– Todos os programas, de governo ou de associações, são voltados para a sobrevivência, mas não visam à transformação, de fato. Um exemplo disso são os cursos disponíveis – profissionalizantes, de um modo geral, e em áreas como datilografia; nem “digitação” [com computador] é. Isso resulta em que a maioria das pessoas atribui a si a culpa pelo desemprego, justificando com frases como “eu não tive formação” e tirando a responsabilidade do Estado.

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