Autor original: Fausto Rêgo
Seção original: Artigos de opinião
![]() Adaptado da ilustração de Tim Sanders | ![]() |
Cinqüenta e uma mulheres assassinadas nos dois primeiros meses de 2007. Esta é a marca da violência na vida e na alma da população feminina pernambucana. É bem verdade que os índices demonstram peso do machismo, uma relação histórica de dominação entre homens e mulheres e a perigosa vigência do patriarcado enraizado por séculos de desigualdade em nossa sociedade. Contudo o que as estatísticas revelam, fundamentalmente, são os sintomas de uma chaga social que assola um país onde o Estado abandona seu papel de promover o bem-estar da população. Estamos em vigília para denunciar que, quando o Estado é ausente, ocorre a legitimação da barbárie!
Vivemos em um país onde o Estado permaneceu historicamente omisso, de costas para o horror da violência doméstica que extermina milhares de mulheres – sendo a maior parte delas negra – todos os anos. Ousamos dizer que a violência institucional colabora para que uma mulher seja assassinada a cada 28 horas em Pernambuco e para que outras tantas sejam mortas diariamente pelo Brasil afora. Estamos em vigília para advertir que, quando o Estado recusa seu poder em promover ações integradas nas áreas de saúde, segurança, educação, cultura e geração de renda, está "indiretamente" sentenciando um incontável número de mulheres à morte.
E ainda escutamos uma parcela da população dizer: "esse tema está batido", "a gente não agüenta mais essas reportagens sobre homicídios de mulheres". O mais interessante nisso tudo é que não temos ouvido, na mesma proporção, frases do tipo: "muitas mortes poderiam ser evitadas se o Estado tivesse uma política pública eficaz".
Estamos em vigília pelo fim da banalização da violência contra a mulher, da impunidade dos agressores e da inoperância do Estado.
Cabe aos poderes públicos uma intervenção nessa situação caótica, por meio de ações efetivas – e não apenas as "bombásticas, eleitoreiras, publicitárias e pirotécnicas" – para enfrentar o problema. À sociedade cabe a cobrança pública, a proposição, o controle social e a responsabilização por parte do Estado pela insegurança das mulheres.
É isso que o Fórum de Mulheres de Pernambuco está fazendo: colocando as violações aos direitos humanos das mulheres na cena pública e interpelando um Estado burocrático e incompetente quanto aos atentados praticados contra a vida das pernambucanas e brasileiras.
Estamos em vigília para que o Judiciário, o Legislativo, o Executivo e o Ministério Público, nos âmbitos municipal, estadual e federal, não fiquem de olhos fechados. Para que implementem, urgentemente, a Lei Maria da Penha. Estamos em vigília para que a população descruze os braços para acolher e prestar solidariedade aos familiares e amigos das vítimas.
Permanecemos em vigília para mostrar ao mundo – neste mês em que ocorrem manifestações para lembrar o assassinato de operárias americanas queimadas vivas em uma fábrica, no dia 8 de março de 1857 – que centenas de mulheres negras e não negras estão sendo dizimadas todos os dias, dentro das suas próprias casas e em praça pública, em Pernambuco.
* Ana Veloso é jornalista e militante do Fórum de Mulheres de Pernambuco.
A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados. |
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