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Guardiãs do Orçamento

Autor original: Maria Eduarda Mattar

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Guardiãs do Orçamento
O Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) sugeriu 16 emendas durante a tramitação do Projeto de Lei Orçamentária Anual para 2007. A organização, junto a outras entidades da sociedade civil, esteve presente no Congresso pressionando para que os recursos destinados ao enfrentamento das desigualdades de gênero e raça fossem garantidos.

A entidade sugeriu ao todo 16 emendas ao Projeto de Lei Orçamentária deste ano. Entre as aprovadas, estão medidas importantes e aumentos orçamentários consideráveis, como no caso da ação de Apoio a Serviços Especializados no Atendimento as Mulheres em Situação de Violência - que antes contava apenas com pouco menos de R$ 7 milhões e na Lei aprovada no Congresso conta agora com quase R$ 21 milhões.

De acordo com a consultora Célia Vieira, do Cfemea, o sistema orçamentário brasileiro é composto por três instrumentos principais: a Lei Orçamentária Anual (LOA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e o Plano Plurianual (PPA). Todos esses instrumentos são elaborados pelo Poder Executivo e encaminhados para o Legislativo, que pode modificar ou não a proposta inicial. Celia explica nesta entrevista que é nesta etapa que entra a necessidade de ação de movimentos sociais e fiscalização da sociedade civil brasileira.

Por fim, as propostas retornam para o Executivo que pode sancionar ou não essas novas alterações. É aí que também podem ocorrer algumas perdas essenciais. Depois de ter garantido que os recursos destinados ao enfrentamento da violência contra as mulheres seriam protegidos do contigenciamento, ou seja, seriam executados necessariamente pelo Executivo ao longo do ano, o presidente Lula vetou esse ponto na Lei.

“Por causa da necessidade de gerar superávit primário, mesmo com o Congresso aprovando R$ 23,3 milhões, não tem a obrigação de executar. Ele não pode fazer o que está fora do Orçamento, mas o que está no Orçamento ele não é obrigado a fazer”, explica Célia. “A nossa primeira missão agora é conseguir que esse veto caia e que a lei possa de fato ser cumprida”, diz.

Segundo ela, a questão orçamentária é fundamental para a realização das políticas públicas e a transparência das contas públicas ainda é uma ficção. No entanto, acha que a sociedade vem participando mais nos últimos anos do processo orçamentário. “Tem havido um avanço por parte dos movimentos sociais no sentido de se apoderar dessas ações e de cobrar mais transparência e poder de interferência nesse processo”, avalia.

Rets – Como é o trabalho do Cfemea no Congresso?

Célia Vieira - O Cfemea faz um trabalho de monitoramento do processo orçamentário como um todo. Desde o PPA, a atuação na LDO e no PLO. Na verdade, essas três dimensões fazem parte no mesmo processo e a intervenção em cada uma delas tem conseqüências nos outros instrumentos orçamentários.

O Cfemea preparou para apresentar à bancada feminina do Congresso emendas na área do desenvolvimento agrário, da questão transversalidade de gênero nas políticas públicas, do incentivo à autonomia econômica das mulheres no mundo do trabalho e, especialmente, da prevenção e combate à violência contra as mulheres.

Rets – E qual era o objetivo da organização com esse trabalho?

Célia Vieira - A nossa ação foi no sentido de garantir que esses programas, que já apresentam algum grau de transversalidade de gênero e raça, pudessem ser contemplados com mais recursos. A maioria deles teve poucos recursos previstos em relação ao que estava previsto para 2006. A proposta do governo veio muito aquém do que estava previsto para o ano passado.

Resolvemos tentar garantir os recursos que já estavam previstos para esse ano e ampliá-los. A partir da articulação com a bancada feminina e algumas áreas do poder Executivo, fizemos uma reunião onde foram decididas algumas prioridades. A principal delas foi a questão do combate à violência contra a mulher, em função da aprovação da Lei Maria da Penha [que criminaliza e estabelece penas para violência doméstica contra a mulher], no ano passado, que exige uma série de ações. Decidimos que a implementação da Lei era uma prioridade de todos.

Rets – Entre as propostas aprovadas, quais a senhora destacaria?

Célia Vieira - Apresentamos emendas para a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, para o combate ao tráfico de seres humanos. Nesse caso, o governo aprovou, no fim do ano passado, um conjunto de ações para atuar na atenção às vítimas, que contavam com apenas R$ 70 mil. O governo define a política mas não coloca dinheiro, então vira só papel.

Uma outra ação importante é que uma das emendas que conseguimos na LDO foi a que determinava que o Executivo passasse a publicar anualmente um relatório para prestar contas sobre de que forma as políticas públicas estavam atuando no combate à desigualdade de gênero e raça.

Eu também destaco a emenda de prevenção e combate à violência contra as mulheres porque conseguimos uma elevação significativa de recursos para esse ano. O governo tinha previsto cerca de R$ 8 milhões no PLO e, através de um esforço concentrado da bancada feminina e de outros parlamentares sensíveis ao tema, conseguimos a elevação para R$ 23,3 milhões para esse programa.

Rets – Mas esses recursos correm o risco de não serem completamente executados...

Célia Vieira - Em 2006, o programa estava com o valor autorizado de R$ 14 milhões e o governo só executou R$ 8,3 milhões. Então, é uma frustração para nós que trabalhamos no Congresso para elevar os recursos. Quando chega no momento da execução, o governo contigencia os recursos e não realiza essas despesas.

Para 2007, aprovamos uma emenda importantíssima fazendo com que esse programa seja protegido do contigenciamento. O governo ajusta a despesa e a receita ao logo do ano e, por causa da necessidade de gerar superávit primário, mesmo com Congresso aprovando uma verba como essa de R$ 23,3 milhões, não tem a obrigação de executar. Ele não pode fazer o que está fora do Orçamento, mas o que está no Orçamento ele não é obrigado a fazer.

Rets – Quais serão as prioridades daqui para frente?

Célia Vieira - A aprovação dessas emendas foi só o primeiro passo. Apesar de termos conseguido na LDO a proteção contra o contigenciamento da lei de combate à violência, o presidente Lula vetou esse dispositivo. Então, a nossa primeira missão é conseguir que esse veto caia e que a lei possa de fato ser cumprida. Além disso, ele vetou também a emenda relacionada à alfabetização.

Na verdade, o que está por trás disso é a política de geração de superávit primário. Hoje, sabemos que grande parte dos recursos vai para o pagamento das despesas financeiras. Ou são simplesmente deixados para gerar caixa. Esse programa de combate à violência só teve 59% executado no ano passado. Outros programas tiveram menos ainda. São programas importantes, mas que infelizmente não têm a proteção constitucional.

Rets - Você acredita que a sociedade está mais ativa no processo orçamentário?

Célia Vieira - A transparência das contas públicas ainda é uma ficção. Nos últimos anos, tem havido um avanço por parte dos movimentos sociais no sentido de se apoderar dessas ações e de cobrar mais transparência e poder de interferência nesse processo. No ano passado, aprovamos uma emenda que garantia plenárias regionais. E o relator deste ano fez audiências em todas as regiões onde as entidades puderam se pronunciar sobre as emendas. E foi muito positivo, embora limitado ainda. A sociedade pode falar, mas entre falar e se tornar realidade na peça orçamentária é uma distância grande.

Rets – Qual é a importância da participação da sociedade civil nesse processo?

Célia Vieira – O PPA é a peça mais importante do processo orçamentário porque define as prioridades do governo para os quatro anos. Estamos na expectativa de saber qual será a forma de participação nesse processo. No início do mandato passado, houve um processo participativo ao qual não foi dado continuidade. A expectativa é que neste ano os movimentos sociais e a sociedade possam ter um papel importante nesse processo.

A questão orçamentária é fundamental para a realização das políticas públicas. Não adianta definir as políticas sem garantir os recursos. Então, definir a participação é a principal questão nesse momento. Em seguida, a questão da transparência. Para que possamos participar, é fundamental que tenhamos acesso a todas as informações. Hoje, algumas informações são disponibilizadas nos sites da Câmara e do Senado, mas são insuficientes para dar conta da complexidade do processo orçamentário.

E outra coisa é a questão da linguagem orçamentária. É muito técnica e acaba não estimulando que a sociedade participe e incorpore essa dimensão da política pública. A luta do movimento é transformar as emendas aprovadas na LDO, em dezembro, em realidade. A efetivação desses dispositivos previstos na LDO está entre as prioridades para esse primeiro semestre.

Luísa Gockel

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