Autor original: Fausto Rêgo
Seção original: Artigos de opinião
![]() All in a crowd | Diana Ong | ![]() |
O lugar político ocupado pelas entidades da sociedade civil neste momento da jovem democracia brasileira precisa ser debatido. A generalização produzida pelos meios de comunicação de massa conduz a opinião pública a uma avaliação negativa desse espaço. A precarização do debate sobre as relações entre Estado e sociedade civil facilita a simplificação, a compreensão de que um grupo de organizações não-governamentais (ONGs), em especial esse recorte generalizado, estaria a serviço da viabilização de projetos partidários ou de captação de recursos para campanhas políticas. É importante tornar mais preciso de que estamos falando. O que são as ONGs? O que elas significam em nossa história e que contribuição efetiva elas têm dado na superação dos problemas sociais brasileiros?
“Do ponto de vista formal, uma ONG é constituída pela vontade autônoma de mulheres e homens, que se reúnem com a finalidade de promover objetivos comuns de forma não lucrativa. Nossa legislação prevê apenas três formatos institucionais para a constituição de uma organização sem fins lucrativos, com essas características – associação, fundação e organização religiosa. Por não ter objetivos confessionais, juridicamente, toda ONG é uma associação civil ou uma fundação privada. No entanto nem toda associação civil ou fundação é uma ONG. Entre clubes recreativos, hospitais e universidades privadas, asilos, associações de bairro, creches, fundações e institutos empresariais, associações de produtores rurais, associações comerciais, clubes de futebol, associações civis de benefício mútuo etc. e ONGs, temos objetivos e atuações bastante distintos e, às vezes, até opostos.”1
Contudo o central, o não dito, é que ONG não é uma categoria jurídica, uma questão formal. Quando uma associação civil se assume como ONG, deve estimular o conhecimento do significado do pertencimento a essa categoria. Esse pertencimento é histórico e não jurídico. É a razão de pertencer a um movimento, a uma história de luta pela redemocratização, de resistência ao arbítrio e à ditadura militar. É a crença de que suas causas são contribuições para o aprimoramento da democracia e sua capacidade de implementação de projetos demonstrativos, criatividade no enfrentamento dos problemas sociais, legitimidade nas comunidades onde o Estado perdeu sua condição de ação e de que são indispensáveis para a cidadania e para a comunidade. Não se trata de qualquer ação de associativismo, sempre bem-vinda, mas de um tipo específico de intervenção no território e de relação com o Estado. Como havia diagnosticado o sociólogo Herbert de Souza: "As ONGs se caracterizam por uma opção radical pela sociedade civil. Seu espaço é o da autonomia e do questionamento permanente do Estado. Numa postura em que as questões giram em torno, fundamentalmente, do quando ou como vamos participar no seu interior, ou vamos ocupar o Estado, estamos compartilhando um mito: fazer é fazer a partir do Estado. Ao contrário, o papel das ONGs é o de multimediadores, ou micromediadores de poder, na sociedade civil, permanentemente, por fora do Estado"2.
Autonomia e independência são as palavras-chave desse posicionamento. É preciso reafirmar a todo o momento essas questões, não se pode jogar no lixo da história a vida e a dedicação dos pioneiros das ONGs pela generalização da imprensa. Sei que sempre se corre risco em afirmar que, uma vez mais, a culpa seria da imprensa, mas não é disso que se trata. Trata-se, sim, da afirmação necessária de uma posição como ator político no aprimoramento de nossa democracia, e a mídia tem um papel destacado neste debate. Não se trata de reclamar que a chamada agenda positiva não tem espaço nos grandes veículos de comunicação, mas sim de dizer que a generalização sobre todos os escândalos de corrupção recentes no Brasil tem uma ONG – que não é ONG – envolvida. A tendência a dizer que as ONGs do político A ou do Partido B são parte do processo. ONG não deve ter “dono”, deve ter “Conselho”, voluntários que “emprestam” seu prestígio e empregam horas avaliando o trabalho. É preciso dizer também que parte do empresariado brasileiro, escorado no caixa dois, na corrupção e na sonegação, não merece o mesmo tratamento. É um linchamento às ONGs e uma absolvição do empresariado que criou os mecanismos da corrupção com recursos públicos?
Do lugar político das ONGs, devo dizer que toda a gestão de recursos públicos é severamente auditada e acompanhada. E é assim que deve ser. O Tribunal de Contas da União, as auditorias dos Ministérios e seus Departamentos Jurídicos, formados por servidores públicos de carreira, são igualmente responsáveis por qualquer irregularidade, assim como o gestor do projeto na ONG. Há responsabilização legal, não se fica impune. O que se quer dizer com isso? Não podemos naturalizar a idéia de que as ONGs ou associações civis sem fins de lucro têm essa facilidade legal ou são veículos para a corrupção. Ou atentamos para isso agora ou o Brasil poderá destruir o que de mais dinâmico e original foi criado em sua história recente.
* Paulo Lima é historiador e diretor executivo da Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits).
1. Associação Brasileira de ONGs (Abong), em www.abong.org.br/novosite/livre.asp?cdm=2310
2. Citado por Miguel Darcy de Oliveira em “ONGs, sociedade civil e terceiro setor em seu relacionamento com o Estado no Brasil”, disponível em www.rits.org.br/idac.rits.org.br/ongs/idac_ongs_2.html
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