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De um grupo de amigas a Amigos da Terra

Autor original: Mariana Hansen

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor






De um grupo de amigas a Amigos da Terra

Membro ativo de redes nacionais e internacionais de proteção ambiental, o Núcleo Amigos da Terra (NAT) nasceu em 1964, no Rio Grande do Sul, sob o nome de Associação Democrática Feminina Gaúcha (ADGF), com atividades voltadas para os direitos femininos. Nesses mais de quarenta anos não foi só o nome que mudou, mas o foco e a dimensão de suas atividades também. Mesmo mantendo algumas atividades da ADFG, a ecologia se tornou o carro-chefe da entidade, pioneira no movimento ambiental brasileiro.

Acreditando poder fazer mais frente ao caos social no qual se encontrava o país, senhoras da sociedade gaúcha passaram a dedicar seu tempo livre ao trabalho social e assistencial voluntário. O trabalho visava ao fortalecimento da mulher na sociedade, através de programas educacionais e sociais, especialmente voltado para aquelas de família de baixa renda. Entre as atividades promovidas estavam palestras de conscientização sobre planejamento familiar, aproveitamento do lixo, implantação de hortas comunitárias e até mesmo a produção de sabão com resíduos de óleo de fritura. Segundo Lúcia Ortiz, coordenadora da entidade, “as senhoras sócio-fundadoras já trabalhavam pela ecologia e não sabiam, pois as atividades eram, a princípio, para melhorar a vida das mulheres”.

Mesmo tendo nascido no mesmo ano do regime militar brasileiro, as senhoras da ADFG não sofreram nenhum tipo de perseguição. Lúcia conta que o trabalho da entidade era visto como local, e a ecologia, conceito recém-surgido, era encarada como algo “romântico”. “Era o despertar da consciência ecológica e cidadã, mas ainda não influía tanto na vida política do país”, relata. Já na década de 1970, faziam passeatas antinucleares e, como eram senhoras da alta sociedade, o Estado não encarava como “baderneiras”, levante popular ou mesmo manifestação política. “Elas conseguiam até mesmo o apoio e a proteção da polícia durante suas manifestações”, conta Lúcia.

Com o tempo, o foco do trabalho dessas senhoras gaúchas foi mudando, enquanto no resto do mundo também começavam a surgir os primeiros movimentos ambientais, assim como no Rio Grande do Sul. “Falava-se em ecologia, sem saber que falavam disso”, comenta Lúcia. As integrantes da ADGF passaram a participar de palestras sobre o tema e perceberam o potencial do trabalho. Para aquelas senhoras “as janelas da ecologia se abriram”. O acesso aos altos escalões do poder abriu o caminho para que as idéias “visionárias” da ecologia fossem ouvidas e tivessem maior penetração na sociedade.

Em 1974, elas ampliam oficialmente o foco de atuação da entidade e criam um departamento de ecologia, estando à frente das principais lutas ambientalistas. No início da década de 1980, associaram-se à organização Friends of the Earth International, abrindo seu quadro social a membros masculinos, além de mudar seu nome para ADFG/Amigos da Terra. E já em 1998 passam a se chamar Núcleo Amigos da Terra/Brasil (NAT/BR), desenvolvendo um trabalho militante e de porta-voz do movimento ecologista perante os mais reconhecidos fóruns nacionais e internacionais.

Em 40 anos, muita coisa mudou no movimento ambientalista nacional e internacional. Segundo Lúcia, no início, “não existia preconceito sobre a mensagem ecológica. A ecologia era uma coisa nova, um despertar da consciência. As senhoras tinham mais penetração na mídia, por exemplo”. Ela ainda relembra que o discurso incial era muito alarmista e existiam poucos elementos para dar base às discussões. “Hoje existe formação [superior] em temas ambientais. Antes eles eram movidos a paixão”, comenta.

O volume de informação, assim como o acesso, aumentou, mas Lúcia acredita que se tornou superficial. “Temos publicações do início do movimento que ainda são referência. Antes, acredito que o trabalho era mais sério, mais substancial. Hoje tem muita informação e é difícil filtrar o que é importante”, observa.

Quarenta anos depois

Hoje, o trabalho do NAT está dividido em cinco programas prioritários: proteção da floresta Atlântica, energia e mudanças climáticas, instituições financeiras internacionais, sustentabilidade nas cidades e a participação na campanha global de proteção à Antártida. Ainda trata questões de direito ambiental, o problema da monocultura de árvores exóticas na região sul do país, além de manter o projeto Quartas temáticas, onde são debatidos os principais temas da agenda socioambiental em encontros informais na sede da entidade.

A atuação da entidade está pautada também em campanhas de conscientização, produção de material informativo, encaminhamento de denúncias às autoridades competentes, promoção de eventos, palestras e debates em instituições diversas. Tem presença regular em audiência públicas, acompanhando e discutindo a implantação de grandes projetos e os seus impactos socioambientais. Por fim, está envolvida no desenvolvimento de projetos de pesquisa na área.

Dos tempos da ADGF, foi mantido o programa de bolsas de estudo para crianças e adolescentes carentes. O esforço inclui o fornecimento de material didático, uniformes, passagem de ônibus, pagamento de matrículas, assistência médica e aulas particulares. O objetivo na época, 1968, era combater a marginalização, o que hoje se convencionou chamar de “inclusão social”.

As vitórias de quatro décadas de atuação são muitas. Lúcia lista entre elas a criação de unidades de conservação ambiental na região, para proteção da Mata Atlântica; a coleta seletiva do lixo em Porto Alegre e, principalmente, a criação de estâncias governamentais voltadas para as questões ambientais, como o Ministério do Meio Ambiente. “A criação dessas instituições obviamente não é só uma vitória nossa, mas de todo o movimento ambientalista”, acrescenta.

Para os próximos anos, Lúcia espera o aumento do apoio da sociedade civil, assim como a conquista de novos espaços e frentes de batalha para promover a sustentabilidade do planeta. Como ela mesma resume, “a semente plantada em 70 continua crescendo até hoje. Não podemos desistir”.

Mariana Hansen

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