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Mais uma ferramenta no combate ao trabalho infantil

Autor original: Mariana Hansen

Seção original: Serviços de interesse para o terceiro setor


O título desta matéria foi alterado nesta segunda-feira, 3 de julho. Depois de contatados pelo representante da OIT, Renato Mendes, entendemos que o título anterior - "No inevitável, ao menos segurança" - poderia fazer parecer que a OIT ou o Ministério da Saúde admitem a prática de trabalho infantil. E isto não é verdade: em momento algum, qualquer dos entrevistados disse admitir tal prática. Apenas reconhecem que ela existe e que é preciso reconhecê-la para poder combatê-la. Fazemos aqui, portanto, nossa ressalva quanto a essas sutilezas que envolvem a questão.






No inevitável, ao menos segurança
Rupak De Chowdhuri | Reuters
Saúde e segurança no trabalho infanto-juvenil é o tema central da nova publicação do Ministério da Saúde (MS) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Os “Módulos de Auto-Aprendizagem sobre Saúde e Segurança no Trabalho Infantil e Juvenil” são destinados a profissionais de saúde e visam a orientá-los no diagnóstico de casos de exploração da mão de obra infanto-juvenil e prepará-los para atuar na raiz do problema.

Temas como contaminação por agrotóxicos, trabalhos perigosos e insalubres, prostituição e até mesmo atividades domésticas são abordados na publicação. Segundo o coordenador da área técnica de saúde do trabalhador do MS, Marco Perez, há bastante tempo o Sistema Único de Saúde (SUS) tem recebido crianças e adolescentes com problemas resultantes do trabalho inadequado e ilegal. “Não basta somente tratar. O SUS tem que saber encaminhar o caso junto à família e aos Conselhos Tutelares para que ele não se reproduza. E, se for o caso, também à Delegacia Regional do Trabalho para se tomarem as medidas necessárias”, explica Perez.

De acordo com o coordenador de projetos do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil da OIT, Renato Mendes, “os módulos se constituem em uma estratégia vital para a implementação efetiva do Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Trabalhador Adolescente do Ministério da Saúde”. Ele ainda acrescenta que a iniciativa vem em consonância com as ratificações, feitas pelo Brasil, das convenções nº 138 - sobre o estabelecimento da idade mínima para admissão ao trabalho ou emprego - e nº 182 - sobre as piores formas de trabalho infantil -, ambas da OIT.

Mendes lembra que, para transformar uma realidade, é preciso reconhecer sua existência. “Reconhece-se a existência do trabalho infantil, o que não é o mesmo que aceitar que a situação continue como está. É inaceitável que crianças e adolescentes continuem morrendo por causa do trabalho infantil. São mortes relacionadas a situações de segurança e saúde do trabalhador, objeto do estudo destes módulos”, afirma, ressaltando que reconhecer que existem casos de trabalho infantil é diferente de aceitar sua ocorrência.

Marco Perez conta que há três anos vem sendo promovida uma política nacional do SUS para colaborar com o combate ao trabalho infantil e de adolescentes em condições inseguras. Entre as ações desenvolvidas está a criação de um sistema de informação para que sejam registrados os casos atendidos pelo SUS, a fim de suprir a ausência de dados a esse respeito. Mas, o principal é a capacitação e a orientação dos profissionais de saúde do SUS para que encaminhem de forma adequada os casos e estejam atentos para combater, na medida do possível, a exploração dessa mão de obra. A qualificação desses profissionais tem sido feita por meio de oficinas de multiplicadores em todo o país. No ano passado, foram realizadas 25 oficinas, cada uma com em média 50 participantes.

A partir dessas capacitações, percebeu-se a necessidade de criar um instrumento didático. Foi aí que surgiu a publicação, fruto da parceria entre o MS, a OIT, o Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e o Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “O objetivo é prover ao multiplicador local exemplos que problematizem casos concretos, para que eles atuem em suas regiões depois das oficinas”, explica Perez. Ele acrescenta que a publicação é uma ferramenta para dar melhores condições a um trabalho que já vinha sendo feito pelo SUS.

De acordo com Renato Mendes, da OIT, o material pedagógico didático “além de possibilitar ao profissional da saúde capacidades de aplicação de princípios éticos e de atuação, também permite que ele desenvolva ações de promoção, prevenção e vigilância da saúde da criança e do adolescente em situações de exploração do trabalho infantil”.

O material técnico pedagógico, que faz parte da série Comunicação e Educação em Saúde, editada pelo MS, é composto por 10 casos diferentes, com indicações de condutas necessárias para evitar o risco à saúde do jovem trabalhador. Ele ainda traz sugestões de providências legais a serem tomadas em caso de irregularidades. “Dentro do SUS, os módulos serão um instrumento de identificação ativa, notificação e remissão ao sistema de garantias de situações de trabalho infantil, para que a criança e sua família sejam protegidas e incluídas socialmente”, conta Renato Mendes.

Serão distribuídos 20 mil exemplares da publicação aos profissionais que atuam com crianças e jovens, nas áreas de saúde e educação. Representantes de conselhos tutelares e profissionais da inspeção do trabalho também terão acesso ao material, além de organizações não-governamentais voltadas para esse público. A distribuição do material pedagógico será acompanhada pelas oficinas. A meta é oferecer duas mil vagas nesses cursos até o final do ano. “A idéia é formar o maior número possível de multiplicadores, permitindo que mesmo depois da oficina eles possam replicar o material”, revela Marco Perez.

Para obter mais informações sobre as oficinas, Perez recomenda que as pessoas interessadas procurem os Centros de Referência de Saúde do Trabalhador de sua região, pois eles servirão como base para o treinamento. Para Renato Mendes, “hoje os profissionais da saúde e toda a população contam com outro instrumento que lhes possibilita não somente a reflexão sobre o tema, também uma atuação assertiva e mais eficaz no que se refere ao enfrentamento das piores formas de trabalho infantil no Brasil”.

Mariana Hansen

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