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Trabalho infantil: solução distante

Autor original: Fausto Rêgo

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Trabalho infantil: solução distante
Ilustração: Peter Kuper

O trabalho infantil atinge aproximadamente 400 milhões de crianças em todo o mundo, especialmente nos países mais pobres. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estima que, nos países em desenvolvimento, existem cerca de 250 milhões de crianças em situação de trabalho.

Os países signatários da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que dispõe sobre as piores formas de trabalho infantil1 e a ação imediata para a sua eliminação, reconhecem que esse tipo de problema se deve, em grande parte, à pobreza.

Embora a pobreza e a miséria da família sejam a principal causa dessa chaga social no Brasil, a política destinada à erradicação do trabalho infantil deve possuir um caráter multifocal, devido à extrema complexidade da questão.

De acordo com os dados do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), no Brasil há 43 milhões de crianças na faixa etária entre 5 e 17 anos, e cerca de 5,4 milhões delas trabalham de forma irregular. Grande parte, cerca de 2 milhões, não é remunerada e em quase 90% dos casos em que há algum tipo de pagamento o valor não alcança sequer o salário mínimo. O estudo mostra que 12,7% dessa população está inserida no mercado informal de trabalho e longe das salas de aula. O setor agrícola, que envolve a agricultura familiar, e o trabalho informal urbano são os principais focos do problema.

Embora o estado brasileiro tenha avançado significativamente na prevenção e erradicação do trabalho infantil nos últimos anos, através de programas de geração de renda, ainda há um imenso abismo entre o compromisso assumido no plano legal e a realidade dolorosa que se testemunha em todos os espaços rurais e urbanos do nosso país.

É importante ressaltar que as crianças trabalhadoras do Brasil não são apenas vítimas dos problemas sociais que flagelam as suas famílias; elas também são vítimas da intolerância de uma sociedade que não se livrou do ranço escravocrata e que acredita que o trabalho é a melhor formação para as meninas e os meninos pobres. Boa parte da sociedade considera natural a privação da infância para as crianças oriundas da classe trabalhadora, pois acredita que o trabalho distancia esses meninos e meninas do ócio, da vadiagem, da droga, da exploração sexual, da criminalidade. Essa retórica que opõe trabalho a crime é um falso paradigma, pois as crianças e adolescentes que se dedicam ao trabalho, e não aos estudos, reduzem os seus horizontes de possibilidades na vida adulta, tornando-se presas mais fáceis de atividades passíveis de infração.

A intolerância e o preconceito da sociedade contribuem para perpetuar um quadro no qual apenas os filhos da elite usufruem de direitos que pertencem a todas as crianças: a infância, o lazer, a educação, a saúde, enfim, o direito a uma vida digna. A propagação de idéias de ranço escravocrata - muitos enriqueceram e continuam a enriquecer às custas de uma força de trabalho ágil, dócil e facilmente manipulável – ajuda a perpetuar o trabalho infantil. A verdade é que o trabalho de crianças e adolescentes mostra-se muito atraente para o mercado, por ser menos oneroso para o empregador.

Um dos aspectos mais perversos dessa cultura é a perpetuação do ciclo de pobreza: crianças que não vão à escola porque são pobres e têm que trabalhar tornam-se adultos sem qualificação profissional, gerando filhos que provavelmente deixarão de ir à escola para trabalhar. Indiscutivelmente, o trabalho infantil é um fator de exclusão social e reprodução da pobreza.

* Este é apenas um trecho da nota técnica nº 102 do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), disponível na íntegra na área de downloads desta página. A nota é assinada por Caio Varela (assessor de Políticas de Direitos Humanos), Francisco Sadeck (assessor de Política Fiscal e Orçamentária) e Leiliane Rebouças (estagiária).

1. As “piores formas de trabalho infantil” compreendem: a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, como venda e tráfico de crianças; sujeição por dívida; servidão; trabalho forçado ou compulsório; inclusive recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados; b) utilização, demanda e oferta de criança para fins de prostituição, produção pornográfica ou atuações pornográficas; c) utilização, recrutamento e oferta de criança para atividades ilícitas, particularmente para a produção e o tráfico de entorpecentes, conforme definidos nos tratados internacionais pertinentes; d) trabalhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, são suscetíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança.





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