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Fust: as barreiras, o interesse público e a oportunidade

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Artigos de opinião






Fust: as barreiras, o interesse público e a oportunidade

Paulo Lima*

Temos alguns acordos. Convencemos governos e empresas da importância de tratar o tema da inclusão digital, entendida como política de inclusão social, como prioridade para o desenvolvimento socioeconômico. Trabalhamos os temas numa conferência de chefes de Estado, no contexto das Nações Unidas, a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação[1]. Temos documentos de princípios, planos de ação – mundiais, regionais, sub-regionais... Temos muito acumulado, muito discutido e até acordado em consenso. Mas quais são os resultados efetivos? Que transformações temos? Que políticas de escala foram implementadas no combate à exclusão digital?

Na América Latina, ainda que tenhamos grandes diferenças entre os países, o acesso médio à Internet é de 18% (Pyramyd Research, 2004). Quer dizer que, por cada cem habitantes, 18 têm algum tipo de conexão à Internet, um número baixo em comparação com outros países (nos Estados Unidos é de quase 60%). Se falarmos de acesso com banda larga, os números caem para menos de 0,8% em média:


Acesso percentual em banda larga da população à internet na América Latina


De todas as conexões à Internet na região, somente 4,5% são conexões de banda larga. O cenário se torna ainda mais desanimador quando analisamos os custos de acesso. Ainda que os custos mensais de uma conexão de banda larga no México, na Colômbia e nos Estados Unidos sejam muito próximos (em torno de 40 dólares), o poder aquisitivo nos três países é muito diferente. Este valor, que nos Estados Unidos representa 0,1% da renda per capita, na América Latina representa 12,3%. Quer dizer, seu custo é 123 vezes maior em termos relativos[2].

Segundo o sítio Teleco (http://www.teleco.com.br/blarga.asp), o Brasil terminou 2004 com cerca de 2.280.000 conexões de banda larga. O poder aquisitivo do brasileiro e as políticas de preços das operadoras fazem patinar o crescimento desse mercado. O crescimento é pequeno e as previsões não são de mudanças nos próximos anos. No Brasil não se pode afirmar que o mercado, mesmo estimulado, terá atuação central no combate à brecha digital. É preciso, portanto, explorar todas as possibilidades de mobilização de recursos, para que o país não perca a oportunidade de participar, como economia e como sociedade, de maneira decisiva na sociedade da informação. E, pelas prioridades hoje estabelecidas, o risco de manter-se na periferia é muito alto.

Outro tema importante: a Anatel não foi capaz de impor ao cartel das operadoras de telefonia fixa uma regulação adequada sobre a desagregação da infra-estrutura de telefonia fixa que permitiria a outros empreendedores o uso dos circuitos para oferecer serviços independentes de banda larga. Sem concorrência de nenhum tipo em uma camada da rede em que não há imposição de metas de universalização, as operadoras só instalam banda larga nos chamados "filés" do mercado – os pouquíssimos municípios que têm escala para a venda de um número significativo de conexões ou os bairros de maior poder aquisitivo das grandes cidades.

O Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust)

O Tribunal de Contas da União (TCU) – leia-se: Estado brasileiro –, que, entre suas competências constitucionais, deve “julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos”; analisou, entre outros temas, a indefinição, que já dura quase cinco anos, na execução de políticas públicas sobre o Fust. Na 70ª Apreciação das Contas do Governo da República, referente a 2004[3], o TCU afirma:


“O Ministério da Fazenda inclui, no cálculo do superávit, diversas receitas governamentais que foram criadas com propósitos específicos, mas que, por não terem sido utilizadas na consecução desses propósitos, contribuíram para melhorar a performance financeira do país. Cumpre ressaltar que para que esses recursos pudessem ser utilizados de forma diversa daquela prevista nas leis específicas, esses diplomas legais teriam que ser previamente alterados. Esse é o caso, por exemplo, das receitas do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust). Esse fundo é constituído por uma parcela das receitas das empresas de telefonia, devendo seus recursos ser utilizados com finalidades específicas e definidas em lei. Enquanto os recursos não forem gastos, eles permanecem no fundo e contribuem para o crescimento do superávit primário. Por outro lado, quando os recursos de fundos da mesma natureza do Fust forem utilizados, haverá uma deterioração da performance fiscal do governo. Isso representa um incentivo para a não-utilização desses recursos. Porém essa não é a única razão para a não-utilização dos recursos do Fust, a qual também decorre da falta de diretrizes, políticas e programas”[4].


O Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), instituído pela Lei nº 9.998, de 17 de agosto de 2000, contém recursos a serem aplicados em programas, projetos e atividades que contemplem os diversos objetivos estabelecidos pelo art. 5º da mencionada lei, em consonância com o disposto no Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU). Foram previstas diversas fontes de recursos para o Fust, dentre as quais destaca-se a contribuição de 1% sobre a receita bruta dos serviços de telecomunicações. Segundo a Anatel, o Fundo contava, em 31 de dezembro de 2004, com um saldo acumulado da ordem de R$ 3,4 bilhões, sendo que apenas em 2004 foram arrecadados mais de R$ 700 milhões. Até o momento, entretanto, ainda não foi definido como esses recursos serão utilizados[5].

A ausência de diretrizes e políticas leva a leituras as mais diversas. Uma consulta ao sítio do Ministério das Comunicações, onde se encontra uma indicação para informações sobre o Serviço de Comunicações Digitais, apresenta o seguinte resultado:

http://www.mc.gov.br/telecom/politica/proposta_consultapublica.htm




O Ministério das Comunicações apresenta uma informação imprecisa e confusa sobre o fundo do qual, a princípio, seria gestor. E um fundo de quase 4 bilhões de reais! Informa que o programa Governo Eletrônico Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac) utilizará os recursos do Fust, o que não está previsto na Lei 9.998. O Gesac é um programa independente, com recursos previstos no orçamento do Ministério das Comunicações. Mascara também que, para a manutenção do fundo, o recurso se arrecada pelas contas de telefonia, televisão por assinatura e Internet, ainda que as empresas digam que não repassam o valor do Fust e do Funttel[6] no custo dos serviços. Tal confusão e indefinição pode levar a um cenário caótico, em que se poderá questionar – judicialmente, inclusive – o retorno dos recursos do fundo, com atualização financeira e juros nas margens que o país opera nos dias de hoje, para os contribuintes. E quem são os contribuintes? E quem arcará com os encargos financeiros dessa operação? E quem perde com isso?

É premente uma decisão sobre a destinação dos recursos do Fust. É preciso remover as barreiras, seja o superávit primário, seja a ausência de uma política governamental para utilização desses recursos. O Tribunal de Contas da União está iniciando uma auditoria sobre esse processo. Ator político “histórico” nesse debate, o TCU traz para si e para o Estado brasileiro a responsabilidade de chegar a uma regulação para o Fust, de interesse público, com gestão transparente e ágil execução. Não se pode perder essa oportunidade para mobilizar as organizações e os movimentos sociais para acompanhar e monitorar esse processo. É nossa responsabilidade a interlocução com o Estado para a formulação de políticas públicas que tenham efetivo impacto e escala nacional. É indispensável, por fim, que qualquer instrumento que se crie tenha como princípio a formação de um Conselho de Gestão desse fundo, a exemplo de outros fundos, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e outros tantos, com participação de todos os setores interessados.

*Paulo Lima é historiador e diretor executivo da Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits)

[1] Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (www.wsis.org).

[2] Extraído de artigo de Keith Goodwin, presidente da Americas International e vice-presidente da Cisco Systems. "La tecnología más importante para el desarrollo de América Latina es la banda ancha", publicado em http://www.elearningamericalatina.com/edicion/mayo2_2005/na_2.php.

[3] Disponível no sítio do Tribunal de Contas da União – TCU, http://www.tcu.gov.br, controle externo/contas de governo

[4] 70ª Apreciação das Contas do Governo da República, pág. 343.

[5] Idem, pág. 386.

[6] Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações






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