Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Artigos de opinião
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Irene Khan*
A história está cheia de pessoas que permaneceram em silêncio perante abusos. Com isso, a causa única com a qual contribuíram foi a permissão para que mais abusos fossem cometidos e mantidos impunes. A Anistia Internacional não está disposta a engrossar essas fileiras.
Quando publicamos nosso Informe Anual 2005, uma avaliação anual dos abusos cometidos contra os direitos humanos em 149 países, incluímos um capítulo sobre os Estados Unidos e denunciamos as práticas norte-americanas na “guerra contra o terror”, incluídas aí a detenção indefinida sem acusações nem julgamento e a tortura.
Isto desencadeou um ataque verbal sem precedentes de destacadas personalidades da administração, entre as quais o presidente Bush; o vice-presidente, Dick Cheney; a secretária de Estado, Condoleeza Rice; o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, e o presidente do Estado-Maior das Forças Armadas, general Richard Myers.
A linguagem empregada em nosso Informe Anual 2005 era clara. Não insinuávamos, como alguns interpretaram, que os gulags soviéticos e Guantánamo são abusos equivalentes. Nosso argumento é que ambos são símbolos dos abusos contra os direitos humanos cometidos por superpotências em suas respectivas épocas. Os maus tratos a que são submetidos os detidos em Guantánamo são uma vergonha para os melhores valores norte-americanos e, sobretudo, para as normas internacionais. Um centro de detenção no qual os presos permanecem praticamente incomunicáveis, sem cuidados, justiça ou visitas deve ser condenado por cidadãos norte-americanos e por todas as pessoas a quem importam a verdade, a justiça e a liberdade.
As ações dos Estados Unidos são também um presente propagandístico para os grupos armados que cometem atos brutais de violência e uma distração da necessidade de garantir que essas pessoas prestem contas adequadamente à Justiça. Porém Guantánamo não é um caso isolado, mas sim a ponta de um iceberg de abusos, o elo mais conhecido de uma cadeia de campos de detenção que vai desde a base aérea de Bagram, no Afeganistão, até as prisões no Iraque e outros lugares.
Continuam surgindo provas e denúncias de abusos, torturas e assassinatos dessa sombria rede de centros de detenção. Mas apesar da preocupação nos Estados Unidos e em outros países, a administração não fez uma investigação totalmente independente. A realidade é que as políticas e práticas norte-americanas de interrogatório e detenção no contexto da “guerra contra o terror” vêm infringindo deliberada e sistematicamente a proibição absoluta de tortura e maus tratos consagrada nos tratados internacionais. Donald Rumsfeld aprovou pessoalmente um memorando, em dezembro de 2002, que permitia a aplicação de meios ilegais de interrogatório, como técnicas de “estresse e sofrimento”, o isolamento prolongado, o desnudamento da vítima e o uso de cachorros na Baía de Guantánamo.
Essa atitude displicente em relação a princípios de justiça e liberdade acordados internacionalmente é ilegal e está causando um enorme dano ao marco dos direitos humanos e à autoridade moral dos Estados Unidos como paladinos desses direitos. Além disso, transmite aos governos repressivos de todo o mundo a mensagem de que alguns abusos, como tortura e tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, são aceitáveis.
A Anistia Internacional juntou cuidadosamente numerosos informes nos últimos anos e publicou centenas de páginas de provas e denúncias de abusos graves contra os direitos humanos cometidos por agentes dos Estados Unidos na “guerra contra o terror”. A administração norte-americana não respondeu nenhum desses informes, em acentuado contraste com sua resposta retórica e defensiva à apresentação de nosso Informe Anual 2005. É evidente que a administração considera que esse ataque é a maior defesa. Muito bem. Depois de mais de 40 anos de denúncias de abusos contra os direitos humanos onde quer que sejam cometidos, a Anistia Internacional se acostumou a receber ataques de governos de todo tipo e forma. Normalmente mostra que temos alcançado o objetivo.
O que não está correto é que a administração não aborde a fundo e em detalhes os motivos de preocupação da Anistia Internacional. Não importa que Dick Cheney diga para não levar a sério a Anistia Internacional. Mas importa que tanto ele como seus colegas se comprometam a sério com os direitos humanos.
O atual debate oferece ao governo americano uma oportunidade perfeita para demonstrar que está disposto a tapar a brecha que separa a retórica da realidade e abordar os motivos de preocupação profunda que a Anistia Internacional e outras organizações de direitos humanos têm denunciado em reiteradas ocasiões nos últimos anos. Presidente Bush, o desafio é claro. Feche o campo de detenção de Guantánamo e acuse formalmente os detentos de acordo com as leis norte-americanas nos tribunais dos EUA, ou então ponha-os em liberdade. Preste atenção ao público e respalde uma investigação completa e independente das políticas e práticas norte-americanas de detenção e interrogatório, incluindo a tortura e os maus tratos. Reafirme os princípios básicos da justiça, a verdade e a liberdade de que tanto nos orgulham os norte-americanos. Faça dos Estados Unidos uma autêntica força do bem em um mundo dividido e perigoso.
*Irene Khan é secretária-geral da Anistia Internacional. O texto foi publicado originalmente em La Insignia (www.lainsignia.org).
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