Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Artigos de opinião
José Eli da Veiga*
No final do curtíssimo século XX, que durou do início da primeira guerra mundial ao fim da era soviética (1914-1991), dois problemas de longo prazo eram, sem dúvida, centrais e decisivos: o demográfico e o ecológico. E o consenso que havia emergido entre os defensores de políticas capazes de cuidar simultaneamente desses dois problemas era de que o desenvolvimento deveria ser no médio prazo reduzido a um padrão “sustentável”, termo que seria “convenientemente sem sentido”, segundo Hobsbawm (conforme o livro A Era dos Extremos, Companhia das Letras, 1995).
A expressão “desenvolvimento sustentável” havia sido usada publicamente desde 1979, mas só começara a se afirmar em 1987, quando Gro Harlem Brundtland, a presidente da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, explicou à Assembléia Geral da ONU que se tratava de um “conceito político”. O célebre documento Nosso Futuro Comum intencionalmente visava a estabelecer uma aliança com países da periferia, em um processo que deveria ser decisivo para a realização da Rio-92.
Então, tudo o que é ambíguo e vago no uso da expressão desenvolvimento sustentável certamente pode ser entendido como opção deliberada de uma estratégia de institucionalização da problemática ambiental no âmbito das organizações internacionais e dos governos nacionais. Mas será que é apenas isso? Apenas uma estratégia política para colocar a necessidade de prudência ecológica na agenda internacional?
Essa hipótese não foi confirmada pela pesquisa sobre a tal “conveniente falta de sentido”, que resultou no livro Desenvolvimento sustentável – O desafio do século XXI. Claro, em vez de aumentar a lista dos contorcionismos já tão banalizados nas diversas tentativas de promover esse suposto “conceito”, o livro prefere sugerir que, por enquanto, ele é uma espécie da quadratura do círculo. Todavia, para dissecar essa noção, busca primeiro examinar separadamente os argumentos científicos disponíveis sobre seus dois componentes: o substantivo desenvolvimento e o adjetivo sustentável. Só depois, na terceira parte, propõe uma interpretação do sentido histórico da junção política desses dois termos na formação do mágico binômio. Ou seja: o que se pretende é discutir o que há de válido, sério e objetivo no fascinante ideal de desenvolvimento sustentável, em vez de reforçar certas ilusões que ele inevitavelmente difunde.
Nada disso significa, portanto, que a noção tenha pouca utilidade. Ao contrário, deve ser entendida como um dos mais generosos ideais surgidos no século passado, só comparável talvez à bem mais antiga idéia de “justiça social”. Ambos são valores fundamentais de nossa época por exprimirem desejos coletivos enunciados pela humanidade, ao lado da paz, da democracia, da liberdade e da igualdade. Ao mesmo tempo, nada assegura que possam ser, de fato, possíveis e realizáveis. São partes imprescindíveis da utopia, no melhor sentido dessa palavra. Isto é, compõem a visão de futuro sobre a qual a civilização contemporânea necessita alicerçar suas esperanças.
No fundo, a situação atual é muito semelhante à do início das sociedades industriais, quando saint-simonianos, fourieristas e owenistas tentavam antecipar inúmeros aspectos da modernidade. Nos últimos três ou quatro decênios houve intensa ressurreição do pensamento utópico. Tem sido tão abundante a produção intelectual que procura antever a natureza da próxima etapa histórica que já virou lugar comum dizer que se vive a “aurora de uma nova era”, rotulada de “pós-industrial”, “pós-moderna”, “de conhecimento”, etc. No meio desse nevoeiro, o que parece se destacar é uma forte visão convergente de que as sociedades industriais estão entrando em uma nova fase, que será tão significativa quanto aquela que tirou as sociedades européias da ordem social agrária. Ao mesmo tempo, as diversas versões sobre o “desenvolvimento sustentável” ainda estão longe de delinear o surgimento dessa nova utopia de entrada no terceiro milênio. Não sabemos sequer o sexo do bebê que vai nascer, mas é certeza absoluta de que a mãe está grávida.
*José Eli da Veiga é professor da Escola de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP), escritor e ex-secretário do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável. O artigo aborda o assunto do recém-lançado livro de sua autoria “Desenvolvimento sustentável – O desafio do século XXI”, publicado pela Editora Garamond.
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