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Ocas luta para ficar nas ruas

Autor original: Viviane Gomes

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Ocas luta para ficar nas ruas


De Porto Alegre (RS), onde está participando do V Fórum Social Mundial, Luciano Rocco, presidente da Organização Civil de Ação Social (Ocas), falou com exclusividade à Rets sobre os possíveis fatores da crise financeira pela qual ONG está passando e que podem até tirar das ruas o mais expressivo projeto da entidade: a revista Ocas. A publicação, lançanda em 2002, tem como objetivo ser uma alternativa de trabalho para que as pessoas que moram nas ruas possam sair dessa condição. A população que vive nas ruas compra a revista por R$ 1 e revende os exemplares pelo preço de capa, R$ 3. Este lucro é o que normalmente permite a essas pessoas iniciarem um longo e difícil processo de resgate de sua dignidade e auto-estima.

Rocco esclarece, por exemplo, que a publicação é produzida por voluntários e que o dinheiro que fica com a instituição é utilizado para oferecer aos participantes uma série de serviços fundamentais para quem busca sua ressocialização. A questão, diz o presidente da Ocas, é que nem todas as pessoas entendem que, por trás da revista, existe um trabalho que envolve o atendimento psicossocial às pessoas que vivem nas ruas. E é justamente essa falta de entendimento que dificulta a captação de recursos e, conseqüentemente, a manutenção desse trabalho.

Rets - Quais são as dificuldades pelas quais a Ocas está passando?


Luciano Rocco - A nossa principal dificuldade é financeira, mesmo. Acontece que não tem havido investimentos no projeto. Até agora, a gente conseguiu manter o projeto na rua em condições precárias. E, para continuar, a gente vê que a ONG precisa de investimentos em muitos setores. Estamos funcionando apenas com a ajuda da gráfica, que roda gratuitamente os exemplares que são vendidos nas ruas.


Rets - De quais setores você está falando?


Luciano Rocco - Desde que a revista Ocas entrou em circulação, todo o trabalho foi feito por voluntários - da produção da revista, passando pelo atendimento às pessoas que vivem nas ruas, até a captação de recursos. A gente tinha só um funcionário, em São Paulo, que era responsável pelo atendimento aos vendedores e pelo suporte administrativo. Quando a gente começou, recebemos um apoio da Embaixada Britânica, mas acabou. E a gente sabia que ia acabar; porque o financiamento tinha prazo determinado para que pudéssemos andar com nossas próprias pernas e, mesmo assim, o contrato foi renovado por três vezes. O que a gente não esperava era encontrar tanta dificuldade na captação de recursos para manter funcionando a revista e a estrutura da ONG - com todos os serviços que precisamos oferecer para a população que vive na rua.


Rets - Que dificuldades são essas?


Luciano Rocco - Encontramos dificuldades tanto do lado do setor privado quanto do setor público. Há uma falta de entendimento do que é o projeto. O setor privado vê a revista Ocas apenas como um veículo de comunicação e não consegue enxergar o trabalho social que existe por trás desse veículo. Assim, as empresas preferem publicar seus anúncios em uma mídia convencional, mais tradicional. Por parte do setor público, eu acho que a questão é política, mesmo. Enfrentamos problemas com a Prefeitura do Rio de Janeiro, e a Prefeitura de São Paulo não foi o que a gente esperava.


Rets - A que você atribui esses problemas com órgãos públicos?


Luciano Rocco - A Ocas é um canal de expressão da população de rua. Não estamos aqui para apoiar nenhum partido político. E nesse tempo nós publicamos denúncias e relatos sobre as condições de vida das pessoas que moram nas ruas. Denunciamos como as pessoas são tratadas quando acontecem as operações que as prefeituras organizam para retirar homens e mulheres das ruas, como as operações de limpeza. A revista é um canal para que as pessoas que moram nas ruas falem sobre seus problemas, exponham suas criações artísticas, contem suas histórias. Eu acho que é por isso, por causa desses textos que expõem a forma com que o setor público trata essa população, que a gente não consegue, por exemplo, entrar nos albergues.


Rets - Você pode explicar melhor?


Luciano Rocco - Por exemplo: uma pessoa sem teto utiliza um albergue público, que é um equipamento público de assistência. Bom, se essa pessoa começar a vender a revista Ocas ela acaba sendo pressionada a sair do albergue. As pessoas que trabalham nesses equipamentos públicos, dizem que se essa pessoa já está trabalhando, então, ela tem condições de se sustentar sozinha e, portanto, não precisa mais utilizar o albergue. Mas não é porque a pessoa começou a vender a revista que ela já pode se reerguer sozinha. Em resumo, quando uma pessoa sofre esse tipo de pressão dentro de um albergue, ela sofre um retrocesso. Porque, lá, ela pode tomar um banho, fazer sua higiene, dormir. Então, a pessoa prefere não vender a revista a ter que deixar as vantagens que o albergue lhe oferece. E isso acaba refletindo nas outras pessoas que não se tornam vendedoras da revista para não perderem esses benefícios.


Rets - Quantos vendedores a Ocas possui atualmente e qual é a situação deles?


Luciano Rocco - Temos 40 vendedores no Rio e em São Paulo e produzimos 7.500 exemplares mensais. Como já falei, temos o apoio da gráfica, que eu não sei por quanto tempo vai durar. Mas hoje a gente não tem, por exemplo, condições de melhorar o atendimento psicossocial oferecido aos vendedores. E esse trabalho - que é fundamental para o resgate da auto-estima dessas pessoas - exige capacitação, experiência profissional, enfim, uma série de coisas que torna muito difícil encontrarmos profissionais para realizá-lo voluntariamente. Por outro lado, precisamos também de investimentos na parte editorial da revista para que a gente possa melhorar a qualidade editorial e gráfica dos exemplares. Com isso, podemos tornar a revista mais atrativa e também desafogar os voluntários que estão sobrecarregados. É muito difícil manter uma publicação mensal como essa.


Rets - A revista está sendo bem vendida?


Luciano Rocco - A vendagem da revista é acima da expectativa. A gente consegue vender 60% ou 70% da tiragem. Mas a gente não vende apenas a revista do mês. Os vendedores conseguem vender também as revistas antigas porque quem compra a Ocas geralmente quer colecionar. A gente vende muito bem.


Rets - E como o bom resultado das vendas reflete nas pessoas que participam do projeto?


Luciano Rocco - A gente percebe que há um fortalecimento muito grande das pessoas que vendem as revistas regularmente. Tem gente que está fazendo tratamento dentário, que é importantíssimo para a auto-estima, e também contra a dependência química. Há pessoas que voltaram a estudar e outras que estão até prestando vestibular. Algumas pessoas estão retomando o contato com a família. E isso é muito importante, porque a maioria de nossos vendedores são homens que abandonam a família quando perdem o emprego porque se sentem envergonhados por não poder mais sustentá-la. Tem pessoas que só possuem a segunda série do ensino fundamental e adquiriram, com a venda da revista, o hábito da leitura. Mas também há vendedores que já conseguiram moradia, deixaram o albergue - que é um equipamento público que gera acomodação. Ressalto isso porque, nesse modelo assistencialista, não há o esforço que fazemos para recuperar a auto-estima daquela pessoa através do trabalho. Eu vejo o albergue como uma área de segregação, onde as pessoas que estão nas ruas são separadas das pessoas que possuem moradia, e nada, além de assistencialismo, é oferecido a elas.


Rets - Como as pessoas podem ajudar a Ocas?


Luciano Rocco - Além do apoio financeiro, que estamos precisando bastante, a gente precisa de divulgação para que a gente venda mais revistas e para que as pessoas que são atendidas pelo projeto possam propagar para as outras o que é o projeto Ocas. Eu acho que dessa forma todas as pessoas vão entender a dimensão desse trabalho. É por isso que estamos aqui em Porto Alegre; para que mais pessoas conheçam o que a gente faz e possam nos ajudar a manter essas atividades. A gente também precisa de voluntários, mais especificamente nas áreas de psicologia, serviço social e educação. O trabalho de atendimento às pessoas que vivem nas ruas e buscam sua ressocialização precisa continuar. As pessoas que quiserem saber mais sobre como nos ajudar podem ligar para o telefone (21) 2589-4989, do Rio de Janeiro, às segundas, quartas e sextas-feiras, das 9h30 às 12h. E, em São Paulo, devem ligar para (11) 3208-6169, também às segundas, quartas e sextas, das 8h às 13h. No site da Ocas [o endereço está em Links Relacionados, ao lado] também há outras informações.


Viviane Gomes

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