Autor original: Mariana Loiola
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Já há alguns anos o microcrédito tem se mostrado uma bem-sucedida alternativa de geração de empregos e desenvolvimento comunitário, capaz de formar um círculo de solidariedade e prosperidade. Sua importância para combater a pobreza nos países em desenvolvimento foi reconhecida na Assembléia Geral das Nações Unidas de 1998. Como resultado, ficou decidido na ocasião que 2005 seria um ano para difundir e consolidar esse importante instrumento de promoção do desenvolvimento local.
Assim, este é o Ano Internacional do Microcrédito, cujo lançamento oficial ocorreu em 18 de novembro de 2004. A ONU reconhece ainda o potencial desse tipo de iniciativa como ferramenta auxiliar na concretização dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, metas socioeconômicas a serem alcançadas pelos países-membro da instituição até 2015.
A organização espera que o Ano Internacional seja visto não como um esforço isolado, mas como "parte de um processo contínuo para formular caminhos efetivos que levem a microfinanças sustentáveis". Segundo as diretrizes divulgadas pela entidade, toda a programação deve enfatizar o papel do financiamento dos pequenos negócios na implementação de políticas de governo em parceria com a sociedade.
No Brasil, o Ano do Microcrédito começa com a esperança de que seja dado um novo impulso às iniciativas da sociedade civil que operam com esse sistema financeiro. O Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado, anunciado pelo governo, também no último mês de novembro, deverá cobrir alguns vácuos na área de promoção do microcrédito, segundo Dione Manetti, diretor de Fomento à Economia Solidária da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes). Os recursos do programa, que ainda falta ser regulamentado, serão provenientes do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e da exigibilidade bancária, no montante de 2% dos depósitos à vista das instituições bancárias.
Crescimento vagaroso
Assim como em diversos países em todo o mundo, o modelo de microcrédito utilizado no Brasil se baseia na experiência do Grameen Bank, criado em 1976, em Bangladesh. Foi o Grameen Bank que definiu o modelo atual de microcrédito como uma alternativa de crédito para os pequenos empreendedores do setor formal e informal, que não têm acesso ao sistema bancário tradicional e desejam montar, ampliar ou melhorar seu negócio. O microcrédito é caracterizado pela simplicidade e agilidade na análise e concessão.
Este tipo de microfinança ganhou força no Brasil a partir dos anos 80, mas, nos últimos anos, tem tido dificuldade para se desenvolver. Estimativas realizadas pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), sobre o potencial mercado brasileiro de microcrédito, revelam a existência de 9,5 milhões de pequenos empreendedores e cerca de 13 milhões de pessoas que não possuem acesso ao crédito junto ao sistema financeiro tradicional.
"O microcrédito vinha tendo um crescimento vagaroso no país, com apoio inclusive de instituições como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Quando o atual governo entrou, diminuiu o fornecimento de recursos para as ONGs que atuavam nessa área. O BNDES, que tinha um programa de crédito produtivo popular desde 1997, segurou a principal fonte de recursos para as ONGs. Quem tinha como se manter por outros meios continuou atuando com uma estrutura de custo mais baixo", diz Maria Celina Arraes, oficial de programas do PNUD.
Gerson Abruzzini, vice-presidente da Associação Brasileira de Sociedades de Crédito ao Microempreendedor (ABSCM), critica o atual governo pela falta de ações de incentivo ao microcrédito nesses dois primeiros anos de mandato. "Nós dependíamos do repasse de recursos feito pelo BNDES. Neste governo, com o aumento das restrições para o financiamento, das 45 sociedades de crédito ao microempreendedor existentes hoje no Brasil apenas três conseguiram recursos dessa fonte. O BNDES promoveu alguns cursos para agentes de microcrédito, mas isso não acontece mais", queixa-se.
Ano para o microcrédito produtivo
A partir de 2003, o governo passou a investir mais no microcrédito para consumo, com o chamado processo de bancarização (acesso da população de baixa renda ao sistema financeiro), do que no crédito produtivo. Um conjunto de ações, como o programa de contas simplificadas, sem comprovação de renda ou endereço, beneficiou 3,7 milhões de pessoas.
"Foi um sucesso para a economia, com redução de inadimplência, mas nada a ver com crédito produtivo", afirma Teófilo Cavalcanti, superintendente do Viva Cred. "O microcrédito nunca cresceu muito no país, embora algumas entidades tenham crescido", acrescenta.
No entanto, tanto Teófilo quanto Maria Celina acreditam que este será efetivamente um ano importante para as microfinanças no Brasil: as ONGs e as instituições de microcrédito contarão com mais recursos, o que aumentará o volume de crédito voltado aos pequeno e micro empreendedores. "Este ano o governo vai atuar mais no microcrédito produtivo", diz Maria Celina. "Acho que finalmente o governo Lula entendeu a importância de investir no microcrédito", completa Teófilo.
De acordo com o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado, poderão atuar como instituições repassadoras bancos públicos e privados detentores de depósitos à vista, bancos oficiais já autorizados a operar com recursos do FAT (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES, Basa e BNB), além de cooperativas de crédito, Sociedades de Crédito ao Microempreendedor (SCMs) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), desde que essas tenham contato "direto e presencial" com os microempreendedores.
"Esse programa surgiu da necessidade de criar outras ações para dar conta da população que não tem acesso ao crédito e chegar efetivamente em lugares onde precisa. Em 2005 vamos nos dedicar a esse programa para que o sistema de microcrédito seja ampliado e fomentado em todo o Brasil", afirma o representante do Senaes.
Além da disponibilidade de recursos, o programa deverá incentivar as instituições a formarem agentes de crédito e ajudá-las a constituírem sistemas de gestão mais adequados, informa Dione. Empreendedores formais e informais poderão ter acesso a até R$ 5 mil (ainda considerado pouco pelas instituições) e acompanhamento da instituição que lhe conceder o crédito. Este acompanhamento é considerado fundamental para o êxito das experiências de microcrédito.
"O povo brasileiro tem reagido contra a exclusão social sem contar com o poder público. Quando a população investe em alguma atividade produtiva e faz o capital girar dentro do local que habita, desenvolve a sua comunidade. O governo pretende agora construir mecanismos já utilizados na realidade diária pela sociedade", diz.
Em busca do cliente
Uma das principais características de algumas instituições que operam com microcrédito (como os bancos do povo, as SCMs e as cooperativas de crédito) para os bancos tradicionais está no conceito de aval solidário. De acordo com esse mecanismo, se uma pessoa do grupo não cumpre seus compromissos, todas as outras são solidariamente responsáveis – enquanto um empréstimo não for pago, outros não podem receber.
"Ao contrário dos bancos convencionais, as SCMs vão até aqueles que estão precisando de dinheiro e querem melhorar o seu negócio. Os agentes de microcrédito saem a campo, procuram pequenos empreendimentos em comunidades de baixa renda, buscam parcerias com prefeituras, fazem palestras", explica Abruzzini, da ABSCM. A liberação de um microcrédito é baseada principalmente na análise socioeconômica do empreendedor, pela qual são verificadas a intenção e a potencialidade do cliente.
Dono da SCM Aldrava, Abruzzini diz que é preciso esclarecer a população sobre os objetivos e condições do microcrédito. "Uma vez, após uma palestra no município de Valença, no Rio de Janeiro, onde dissemos que o crédito era para quem queria montar uma carrocinha de pipoca, de algodão etc., apareceram várias pessoas querendo montar carrocinha de pipoca e algodão doce. Aí explicamos que a idéia não era dar dinheiro na mão de qualquer pessoa; que para viabilizar o negócio elas tinham que pensar nas suas aptidões, no que sabiam fazer", conta.
Criado em 1996 pelo Viva Rio, com o objetivo de conceder financiamento aos micro e pequenos de comunidades carentes do Rio de Janeiro, o Viva Cred contribuiu em muito para a melhoria da qualidade de vida da população da favela da Rocinha, segundo Teófilo Cavalcanti. Desde então o Viva Cred diversificou a sua linha de produtos e, além da concessão de crédito, passou a fazer troca de cheques e a financiar novos negócios.
A experiência, que começou na Rocinha, agora atende a 70% da área da cidade, segundo o superintendente da instituição. "Hoje temos seis agências de crédito, 3.500 clientes ativos, financiamos cerca de 150 tipos de atividades diferentes e concedemos de 350 a 400 créditos por mês", contabiliza.
Redes solidárias
Em Fortaleza, a experiência comunitária do Banco Palmas tem se multiplicado. Implantado no Conjunto Palmeira, favela da periferia da cidade, pela associação de moradores do local, o Banco Palmas abriu seis empresas comunitárias, criou uma moeda e um cartão de crédito próprios e gerou cerca de 1400 postos de trabalho, segundo Joaquim de Melo Neto Segundo, coordenador do Banco Palmas. "Isso é pouco", defende. No entanto, o banco tem contribuído e servido como referência para a criação de iniciativas semelhantes.
Em parceria com a prefeitura, o Banco Palmas abriu uma linha de crédito para 320 famílias atendidas pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), criando uma rede de economia solidária entre essas famílias. "A idéia é que, aos poucos, essas famílias não precisem mais da bolsa", afirma Joaquim.
Atualmente, o Banco Palmas serve de referência para a criação de outro banco comunitário - o Banco Par, no município de Paracuru, que começa com R$ 20 mil fornecidos pela prefeitura. "Nós entramos com consultoria e capacitação", diz Joaquim. Em breve, o bairro comunitário Alto das Pombas, em Salvador, também será beneficiado com a criação de um banco inspirado no Banco Palmas. "Estamos com um projeto no Ministério de Desenvolvimento Social (MDS) para a criação de 30 bancos comunitários", afirma.
De acordo com Joaquim, o microcrédito só pode ter um impacto além da esfera local se for entendido como instrumento de formação e articulação de redes de economia solidária. A idéia é que entre Paracuru e o Conjunto Palmeira, por exemplo, haja troca de produtos comercializados pelos clientes dos dois bancos.
Pegando carona no Ano do Internacional do Microcrédito, oficializado pela ONU, a associação deverá dar início, em fevereiro, a uma cooperativa de crédito popular solidário para segmentar as ações do Banco Palmas e potencializar as finanças locais. Uma das vantagens da cooperativa é que as taxas cobradas pelos seus serviços serão reinvestidos para a própria comunidade. "A cooperativa será voltada para os clientes que passaram pelo Banco, tiveram êxito e agora precisam de volumes maiores de empréstimo para crescer mais. A demanda é muito grande. O Banco não tem como atender os que crescem, que acabam indo para os grandes bancos capitalistas", diz Joaquim. Com a cooperativa os clientes permanecerão na rede de economia solidária. "O microcrédito é limitado por seu formato, mas é uma alternativa que dá resultado para os mais pobres", conclui.
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