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Ongs têm receio do novo marco legal

Autor original: Paulo Henrique Lima

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets

A Rets entrevistou a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), o Instituto Brasileiro de Análise Social e Econômica (Ibase) e a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong).

"O novo marco legal se trata de uma legislação que não pegou. O desinteresse é grande, o processo se burocratizou no Ministério da Justiça. Pouquíssimas instituições são oscips. Para se ter uma idéia, em meados do primeiro semestre deste ano, ou seja, depois de um ano de lei, existiam apenas 19. O fato também de não ter havido nenhum termo de parceria assinado até o momento demonstra também um desinteresse por parte dos setores públicos", avalia Sérgio Haddad, presidente da Abong.


Segundo Sérgio, a Abong tem fornecido informações e subsídios para que as ongs tomem a decisão mais apropriada e que tudo depende da situação da ong. "Caso tenha algum tipo de isenção, ela não deve requerer o termo de oscip, uma vez que poderá perdê-la no momento de transição entre ser uma ong e uma oscip. No caso de não ter essa isenção, é indiferente, ao meu ver, uma vez que não há vantagem alguma em se tornar uma organização civil de interesse público", explica.


O Ibase ainda está avaliando a nova lei. "Estamos querendo ver a experiência alheia. Até o momento, não somos nem a favor, nem contra", diz Jaime Patalano, diretor financeiro e administrativo do instituto. O Ibase tem as vantagens adicionais citadas por Sérgio Haddad, como o fato de não contribuir como empregador para a previdência social.


Com relação ao Termo de Parceria, a Abong acredita que devem ser envolvidos conselhos de políticas na aprovação deste ponto da lei 9790/99, além de criar processos transparentes na seleção e avaliação destes termos. "O Termo de Parceria poderia servir ao tradicional clientelismo da sociedade brasileira, dando margem ao reforço destas práticas, ao invés de incentivar a democratização na relação entre Estado e sociedade civil", acredita Sérgio.


Segundo Jaime, aparentemente, o que o Estado busca com os termos de parceria é transferir os assuntos de sua competência para as ongs. "Mas ainda é tudo muito desconhecido. Ninguém sabe direito as conseqüências que isso traria. Ninguém sabe até onde as entidades perderiam a sua liberdade de se manifestar livremente, por estarem atreladas ao Estado", acrescenta.


É justamente a possível falta de autonomia que assusta a Fase. "As ongs ligadas à Abong não lidam só com a prestação de serviços sociais, com a terceirização das atividades que deveriam ser desenvolvidas pelo Estado. Elas priorizam a autonomia. Não querem ser subordinadas e dependentes do governo. O terceiro setor não deve estar baseado na terceirização, visto que não foi criado para diminuir os encargos do Estado", conclui Pedro Cláudio Bocaiuva Cunha, diretor de trabalho e renda da Fase. Com relação ao Termo de Parceria, Pedro acredita que este seja o grande ponto positivo do novo marco legal, visto que regula e dá acesso ao recurso público.









Comunidade Solidária ressalta a importância da lei das oscips

A assessora do Comunidade Solidária, Elisabete Ferrarezi, deu uma entrevista exclusiva à Rets sobre a lei das oscips e sua importância para o terceiro setor. Leia a seguir.

Por que ainda existem poucas oscips?


Até o momento, cerca de 250 organizações sem fins lucrativos solicitaram a qualificação de oscip, mas apenas 42 obtiveram-na. Ainda é pouco mas devemos considerar alguns motivos nessa questão. Em primeiro lugar, é preciso lembrar que uma nova lei não tem capacidade de criar uma nova realidade, como já disse Carlos Cuenca, ex-coordenador da área de Legislação e ex-assessor da Secretaria Executiva, na Rits. Como exemplo, pode ser citado o caso do Estatuto da Criança e do Adolescente, que está fazendo 10 anos. Fruto de intensa mobilização social, o ECA - considerado uma das melhores legislações do mundo - até hoje enfrenta enormes dificuldades para ser implementado tanto pelo Estado quanto pelas organizações da sociedade civil. Não podemos perder de vista que reformas, de um modo geral, encontram resistências de todo tipo e, em se tratando, particularmente, de uma nova regulação da relação entre Estado e terceiro setor, esbarram em problemas políticos, além dos gerenciais e culturais.


Em segundo lugar, há problemas com a documentação. A maior parte dos indeferimentos da qualificação como oscip se refere à entrega de documentação incompleta. Aqui temos uma mudança fundamental em relação às práticas tutelares anteriores porque a qualificação é ato vinculado, isto é, se a entidade entrega os documentos exigidos e cumpre com as exigências, ela é automaticamente qualificada. Isso garante atuação rápida da administração pública e impede o clientelismo.


Em outras palavras, a responsabilidade pela qualificação é, em primeiro lugar, das organizações do terceiro setor. Isso implica mudança de postura pois os gestores públicos, ao receberem documentação incompleta ou errada, indeferem o pedido, cabendo à entidade iniciar o processo novamente. Essa mudança mexe com os padrões paternalista e clientelista das relações entre Estado e sociedade, uma vez que exige, de um lado, que as organizações da sociedade civil assumam seus deveres (cumprir exigências legais quanto à finalidade e ao regime de funcionamento de caráter público) e, de outro, que o órgão público responsável pela qualificação faça uma boa gestão da lei, construindo entendimentos e dando sentido às novas práticas.


A lei 9790/99, ao sugerir que todos são honestos até que se prove o contrário, inverte a lógica do controle apriorístico, apontando para direitos e deveres das organizações da sociedade civil. Inicialmente, isso causou confusão ao administrador público, já que não lhe é permitido avaliar discricionariamente se a entidade pode ou não ser qualificada, mas tão somente verificar se ela cumpre com as exigências legais. Isso exigiu vários debates para a construção de entendimentos sobre as exigências legais que, muitas vezes, são conflitantes com outras leis. Mas isso, ao meu ver, já avançou muito.


As ongs se mostram resistentes em se transformar em oscip? Por que?


Não creio que se possa falar que há uma resistência em se transformar em oscip. No meu entendimento, o que existe é um enorme desconhecimento sobre o que essa lei significa e o quanto ela pode abrir espaço para o fortalecimento do terceiro setor, já que permite ampliar o acesso ao reconhecimento institucional a milhares de organizações que não têm nenhuma qualificação e não têm suas ações sociais reconhecidas legalmente. A qualificação como oscip sinaliza aos doadores e parceiros públicos e privados que a organização atua de acordo com os princípios da esfera pública não estatal. Embora isso ainda não seja devidamente valorizado, pode vir a representar um grande diferencial no futuro, haja vista a escassez de investimentos e a competição por recursos.


Um argumento freqüente em relação à nova lei é que a qualificação tem muitas exigências e poucos benefícios. De fato, os incentivos, demandados pelas organizações da sociedade civil, ainda são poucos, com exceção da isenção do Imposto de Renda, quando a organização não remunera seus dirigentes, e da possibilidade de receber recursos pelo Termo de Parceria. Durante o processo de elaboração da lei, o contexto de ajuste fiscal não permitiu condições mínimas para negociação de incentivos específicos para as oscips.


No momento, o governo está encaminhando a inclusão das oscips no universo das entidades beneficiárias de doações dedutíveis do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas. Essa é uma conquista importante porque demonstra que o governo começa a reconhecer a importância das organizações voltadas à produção do bem comum. No início das discussões com o governo, havia desconhecimento sobre o tema, além de uma propaganda desfavorável que vinculou a sonegação fiscal ao terceiro setor. Esse contexto gerou grande resistência em discutir incentivos fiscais. À medida em que ficar mais claro o diferencial das oscips, será possível obter outros benefícios.


Enfim, o processo da reforma do marco legal aponta para um longo trajeto, que deve ser percorrido para valorizar e legitimar as ações da esfera pública não estatal.


O que é o Termo de Parceria?


O Termo de Parceria é uma das principais inovações da Lei das oscips. É um novo instrumento jurídico criado para promover o fomento e a gestão das relações de parceria, permitindo a negociação de objetivos e metas e também o monitoramento e a avaliação dos resultados alcançados. Ele consolida um acordo de cooperação entre Estado e oscip para a realização de projetos - uma alternativa aos convênios - dispondo de procedimentos mais simples.


Algumas de suas inovações: a forma de aplicação dos recursos é mais flexível. Por exemplo, são consideradas legítimas as despesas realizadas entre a data de término do Termo de Parceria e a data de sua renovação, o que pode ser feito por Termo Aditivo ou Registro por Simples Apostila; a fiscalização e controle se concentram nos resultados que foram pactuados e não apenas nas atividades; criação da Comissão de Avaliação, composta por representantes do órgão estatal, do Conselho de Política Pública e da oscip - para avaliar o Termo de Parceria e verificar o desempenho global do projeto em relação aos benefícios obtidos junto a população-alvo; há a possibilidade de se realizar concursos de projetos para seleção da oscip.


Por que não foi realizado nenhum Termo de Parceria?


Em parte, porque os gestores governamentais ainda desconhecem essa nova possibilidade. Mas há outro motivo, que é mais um dos desafios da mudança por parte do Estado: a questão da cultura institucional. Realizar a transição de práticas tradicionais para administração gerencial, cuja ênfase é o controle pelos resultados e controle social, não é tão simples quanto pode parecer em se tratando de um aparato legal e administrativo extremamente impeditivo.


A idéia central que presidiu a elaboração do Termo de Parceria foi o controle pelos resultados das ações, medindo sua eficiência e eficácia.


Mesmo a nova Lei permitindo relativa flexibilidade no controle dos meios, a burocracia tende a incutir no Termo de Parceria as mesmas exigências do convênio. Trata-se de uma cultura impeditiva e de um aparato administrativo e legal - feito para garantir a probidade - mas que tolhe a liberdade do gestor público, mesmo quando a Lei 9790/99 aponta para relativa flexibilização do controle meramente burocrático. Há inclusive quem avalie que o Termo de Parceria é a mesma coisa que o convênio, não observando as diferenças substanciais que ele representa, principalmente, no que se refere ao foco no cidadão.


Essa nova lei significa apenas um primeiro passo em direção à mudança do arcabouço jurídico das relações entre Estado e terceiro setor. Os entraves no uso de recursos são um problema da legislação da administração pública e por mais que se queira implementar um instrumento jurídico com maior capacidade gerencial, sempre se esbarra nos impedimentos legais, nos controles meramente burocráticos, nas restrições orçamentárias, dando pouca margem para ações criativas. É preciso se ter em mente, portanto, que as pequenas conquistas, a flexibilidade que o Termo de Parceria apresenta, embora ainda pequenas, neste quadro extremamente restritivo, representam grandes avanços.


Portanto, para realizar Termos de Parceria precisamos de mais oscips e também de mais debates com os gestores de recursos e organizações da sociedade civil, a fim de criar um entendimento comum em torno do novo instrumento.


Como fazer para tornar a Lei das oscips conhecida?


Algumas iniciativas já estão sendo feitas para divulgar e possibilitar a melhor compreensão das mudanças introduzidas pela lei 9790/99, como, por exemplo, a cartilha sobre a nova lei - que será lançada no próximo mês - com informações necessárias para que as organizações entendam como obter a qualificação de oscip e saibam como ter acesso ao Termo de Parceria. Além disso, a publicação - que também estará na Rits - traz alguns modelos para auxiliar a implementação da lei, como o estatuto de oscip e o Termo de Parceria. Também estão programados seminários abertos e workshops com gestores de recursos públicos.


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